Com o fim do prazo para alcançar os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para 2015, diversos países que estiveram reunidos na Conferência Rio+20 concordaram com a necessidade de estabelecer novas metas para o desenvolvimento humano. Essas metas se transformaram nos chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que levaram o mundo a pensar em uma Agenda de Desenvolvimento pós-2015 que continuasse acompanhando os esforços propostos pelos ODM. A saúde sempre esteve dentro dos Objetivos do Milênio e continua marcada na agenda do desenvolvimento sustentável. Com objetivo de analisar a presença da saúde como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na Agenda pós-2015, pesquisadores da Fiocruz publicaram artigo que aponta para necessidade de reformas na governança nacional e global, além de uma maior participação da sociedade civil para o alcance das metas.
O artigo Saúde na Agenda de Desenvolvimento pós-2015 das Nações Unidas, publicado no volume 30, número 12, daRevista Cadernos de Saúde Pública é assinado pelo pesquisador da ENSP e coordenador do Projeto Mosaico da Bocaina pela Fiocruz, Edmundo Gallo; pelos pesquisadores do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) Paulo Marchiori Buss, Danielly de Paiva Magalhães e Andréia Faraoni Freitas Setti; pelo pesquisador da Vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz Francisco de Abreu Franco Netto, e pelos pesquisadores da Diretoria Regional de Brasília da Fiocruz e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Jorge Mesquita Huet Machado e Daniel Forsin Buss, respectivamente.
O estudo descreve que a saúde teve importante presença na Agenda do Milênio (2000-2015), constituindo três dos oito ODM, pactuados na Cúpula do Milênio em 2001, sendo eles: redução da mortalidade infantil; redução da mortalidade materna; e combate ao HIV/AIDS e às doenças negligenciadas. Para os autores no entanto, os demais ODM (redução da pobreza; ensino básico universal; igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres; sustentabilidade ambiental; e estabelecimento de uma parceria mundial para o desenvolvimento) seguramente têm impacto sobre a saúde, por serem todos reconhecidos como potencialmente capazes de atuar sobre alguns dos seus principais determinantes socioambientais.
De acordo com os autores, no processo de definição da Agenda do Desenvolvimento pós-2015 e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a saúde continua sendo objeto de atenção, como indica o documento final da Rio+20 e as iniciativas globais decorrentes da orientação da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) de 2012, que a inclui como um dos objetos das onze Consultas Temáticas Globais das Nações Unidas sobre ODS e também como tema das negociações intergovernamentais em andamento no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), na qualidade de provável ODS.
No artigo, é analisada a inserção da saúde na Agenda pós-2015, com especial foco nas negociações que transcorreram entre a Rio+20 (realizada em 2012) e a AGNU 2014, assim como as projeções até a AGNU 2015, quando está previsto o encerramento do processo, com a definição da Agenda e dos ODS. O artigo também explicita as posições divergentes entre os que defendem a cobertura universal em saúde como ODS - basicamente a Organização Mundial da Saúde (OMS) e aliados - e aqueles que entendem que o ODS Saúde deveria ser mais amplo, como seria assegurar vidas saudáveis e bem-estar para todos em todas as idades.
Os autores apontam algumas das características propostas e as que consideram necessárias à governança global para o desenvolvimento e a consecução dos ODS, incluindo o de saúde, compreendendo que esta discussão transcende o interesse exclusivamente global, pelos impactos que os acordos internacionais firmados no âmbito das Nações Unidas têm sobre as políticas nacionais de desenvolvimento que, por sua vez, acabam por interferir significativamente na qualidade de vida das populações de todos os países do mundo.
Governanças nacionais e global necessitam de transformação
O artigo expõe que os resultados e propostas dos processos integrantes da definição da Agenda do Desenvolvimento pós-2015 e dos ODS desde a Rio+20 tem a maioria de suas orientações semelhantes quanto a princípios gerais, mas existem algumas diferenças, tanto nos ODS como um todo e nas suas respectivas metas, quanto no ODS Saúde. “Apesar da recomendação feita por inúmeros países e grupos de países - na ocasião do recebimento do documento na AGNU, em setembro de 2014 - de que o documento recebesse o menor número de emendas e alterações possível até sua aprovação na AGNU 2015, é pouco provável que isto aconteça. Os inúmeros e conflitantes interesses de diferentes países, grupos de países, ONGs, empresas e setor privado e também das próprias burocracias das Agências das Nações Unidas, quanto às orientações para o desenvolvimento sustentável até 2030 e seguintes, certamente imporão mudanças ao documento que afinal chegará para a assinatura dos Chefes de Estado e de Governo em 2015”, alertaram.
Segundo os autores do estudo, as radicais transformações da economia, do social e do ambiente que se aceleraram nos últimos anos apontam que no horizonte futuro de 15-20 anos as transformações se acelerarão ainda mais, com consequências profundas e, muitas vezes sem volta, para questões fundamentais como a distribuição do poder político e econômico, a crise ambiental, o câmbio climático, a distribuição internacional da produção e do consumo, do emprego e da renda, tudo isto com reconhecida e definitiva influência sobre a situação da saúde das populações humanas. Por esta razão, é preciso ampla mobilização, no plano dos países e na esfera internacional, da sociedade civil para que seus interesses, visões e propostas apareçam na agenda do desenvolvimento sustentável para depois de 2015.
Por fim, os pesquisadores advertem que as propostas de governança global e nacional são muito débeis e incompletas para as dificuldades inerentes a um processo desta envergadura e complexidade. Segundo eles, é preciso empreender profunda reformulação das metas e dos meios de implementação para garantir coerência e capacidade de concretização do ambicioso enunciado do ODS Saúde, evitando que se repitam as mesmas limitações encontradas na Agenda do Milênio com seus ODM Saúde.
“As governanças nacionais e global precisam ser transformadas com vistas à implementação de planos de desenvolvimento coerentes com a equidade e a inclusão social, num contexto de desenvolvimento econômico que preserve o meio ambiente e os recursos naturais ameaçados. Com a redefinição do papel do Estado como provedor de direitos fundamentais como a saúde e outros ODS e no planejamento e ação intersetorial sob a égide do poder público, nos planos nacionais e globais, se encontre a chave para o desenvolvimento sustentável e a consecução dos ODS”, concluíram os autores.