Com a dimensão das manifestações de junho de 2013, as mesmas ainda tomam conta das pautas sociais e, consequentemente, políticas. Reivindicando uma reforma política e a mudança de comportamento dos políticos brasileiros, as manifestações ganharam vários centros urbanos e se alastrou até este ano. Em meados de 2014, com a Copa do Mundo, alguns movimentos tentaram intervir para que o mundial fosse cancelado no Brasil, porém não houve reflexo. Já com a proximidade das eleições e no pós-eleições, novas manifestações aderiram corpo para pressionar novamente a reforma política.
Sem diálogo
Mesmo com menor intensidade, grupos e entidades se unem para que o projeto não seja apenas um papel arquivado e possa fazer as transformações políticas no Brasil. Porém, a impressão que se tem é que a agenda política não alterou. Em reportagem do O Globo, o cientista político e professor da PUC-SP Pedro Arruda proferiu que os governos não aprenderam a dialogar com os movimentos sociais e que os políticos têm dificuldade para responder aos protestos. Geralmente respondem de forma violenta e isso só inflama mais a população.
Arruda também cita a derrubada do decreto que criava os conselhos populares como um sinal de que ainda há uma distância entre as demandas das ruas e as prioridades daqueles que governam. O cientista acrescentou que a proposta de criação dos conselhos populares era uma forma de atender ao pedido das ruas, aumentando a participação popular nas decisões e acredita que o próximo alvo das manifestações pode ser o Congresso.
Nelson Rojas de Carvalho, outro cientista político, professor da UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles, citado na matéria, disse que acredita que em 2015 haverá outras manifestações com a mesma extensão da que foi realizada em 2013. O cientista afirmou que os movimentos tendem a conduzir suas próprias reivindicações.
Para o cientista político e professor da PUC Goiás Wilson Ferreira da Cunha, geralmente as demandas das manifestações não se aproximam dos políticos ou os mesmos não procuram ter uma relação mais próxima com esses interesses. Wilson Cunha acredita que as reivindicações também precisam ter uma pauta, ou seja, não adianta mobilização sem objetivo.
Falta pauta
Conforme explica o cientista político, a maioria das mobilizações não se concentra no conteúdo e se resume em 'baderna'. Wilson Cunha ainda acrescenta que "o coletivo vira gado" e que, por fim, vira oportunismo partidário, caso não se tenha uma pauta consistente. Contudo, o cientista defende que as manifestações são importantes desde que tenham pontos de debate político.
Um exemplo que o cientista político menciona é o fato de reivindicarem gratuidade que para ele não existe, já que, no final das contas, alguém está pagando por aquilo que se imagina gratuito. "Não é uma teoria, mas manifestações devem ter pauta". Questionado sobre se as manifestações, de alguma forma, refletiram no comportamento dos políticos brasileiros, Wilson Cunha foi enfático ao afirmar "de forma alguma".
De acordo com o cientista, o político ouve apenas aqui que lhe interessa. "A maior manifestação seria mandá-los para casa e dar um cartão vermelho". Nas últimas eleições, Wilson Cunha pontua os políticos não possuíram lisura. "Nos últimos 12 anos essa turma mostrou alienação e um movimento desarticulado".
“Nada acontecendo”
Para o cientista político e doutor em Ciências Políticas pela USP Francisco Itami Campos, os políticos realmente não têm proximidade com as reivindicações da sociedade. Conforme explica Francisco Itami não há uma relação de satisfação com as expectativas dos eleitores. "É como se nada estivesse acontecendo, pois também não há alteração no comportamento dos políticos".
Francisco Itami ainda pondera que o quadro político está disperso com as manifestações, pois os próprios políticos não estão se identificando com os acontecimentos do País, principalmente pelo o que as manifestações vem buscando.
Conflitos sociais serão desafio para Dilma
O aprofundamento dos conflitos sociais nos centros urbanos e os impasses ambientais no campo alimentam bombas-relógios prestes a explodir no Brasil. Mapeamento da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) identificou 490 focos de tensão em todo o país, 40% a mais do que foi contabilizado pelo mesmo grupo em 2012.
Desses, 147 (30%) estão em áreas urbanas e afetam diretamente a qualidade de vida da população. Os problemas sociais são um dos gargalos que a presidente reeleita Dilma Rousseff, os governadores e os parlamentares terão que enfrentar nos próximos anos.
Se, em junho do ano passado, os brasileiros tomaram as ruas em protestos que começaram contra o aumento das tarifas de ônibus e se expandiram em diversas frentes, o país tem agora mais ingredientes nessa panela de pressão social. De demarcações indígenas e quilombolas no Acre e na Bahia, grilagem no Mato Grosso, impactos de obras de infraestrutura no Rio Grande do Norte e Tocantins até problemas de habitação nos principais centros urbanos, como São Paulo, Rio, Recife e Brasília.
O cientista político e pesquisador da UFRJ Sandro Correa considera que é um momento delicado, cujo tecido social mudou e o governo ainda não aprendeu a dialogar com os novos atores.
De acordo com o levantamento da Ensp/Fiocruz, 30% dos conflitos hoje no Brasil são nos grandes centros urbanos. A maioria deles no Sudeste, onde 136 focos já foram identificados. A pesquisa aponta que as tensões nas cidades são alimentadas pela falta de políticas públicas para moradia, saneamento, qualidade de vida, direitos humanos e cidadania. Segundo o coordenador geral do projeto, o pesquisador Marcelo Firpo, nas cidades brasileiras o número de conflitos deverá aumentar nos próximos anos.
O elevado número de conflitos nos Estados do Rio, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo pode estar relacionado ao histórico de intensa ocupação territorial e de industrialização com inúmeros impactos socioambientais, bem como aos movimentos sociais organizados na região.
34 pessoas assassinadas
Em 2013, de acordo com a Pastoral da Terra, 1.277 confrontos foram registrados no Brasil e 34 pessoas foram assassinadas. A fronteira de expansão econômica do agronegócio, do ciclo da mineração e inúmeras obras de infraestrutura, como hidrelétricas, rodovias e transposição do São Francisco, são apontados por especialistas como causas de zonas permanentes de tensão.
Nas áreas rurais, as populações mais atingidas são indígenas (33,67%), seguidas dos agricultores familiares (31,99%) e dos residentes quilombolas (21,55%). O relatório da Fiocruz leva em conta questões ambientais e problemas ampliados de saúde, além da piora da qualidade de vida, o risco a extinção de uma cultura ou tradição e a violência como fatores possíveis para o surgimento de um foco de tensão. (Com informações do O Globo)