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sábado, 14 de setembro de 2019

Democracia produz saúde e reduz desigualdade? Tema pautou mesa de abertura no aniversário da ENSP

Há 65 anos reafirmando compromisso com a saúde pública, a produção de conhecimento e a formação de quadros para o sistema de saúde e ciência e tecnologia, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca iniciou a semana comemorativa de aniversário debatendo um tema caro à atual conjuntura: Desigualdade, Democracia e Políticas Sociais. A mesa de abertura, composta de especialistas no campo da Saúde e das Políticas Sociais, explicitou uma questão importante do Brasil: a democracia revelou-se muito mais competente em combater a pobreza do que a desigualdade.
 
A mesa sobre o tema dos 65 anos da ENSP foi coordenada pelo ex-ministro da Saúde e pesquisador da casa, José Gomes Temporão, que destacou os laços pessoais e profissionais com a instituição e citou o manifesto assinado por seis ex-ministros (além de Temporão, assinaram: Humberto Costa, José Saraiva Felipe, Jose Agenor Alvarez da Silva, Alexandre Padilha e Arthur Chioro – confira o documento na íntegra aqui) durante a 16ª Conferência Nacional de Saúde. 
 
Ao apresentar os palestrantes, os pesquisadores Romulo Paes de Souza, do Instituto de Pesquisa René Rachou (Fiocruz/MG), Naomar de Almeida Filho, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, e Benilton Carlos Bezerra Júnior, do Programa de Estudos e Pesquisas sobre Ação e Sujeito da Uerj, Temporão propôs uma reflexão acerca do ataque estruturado e orgânico à Constituição de 1988 e às conquistas acumuladas no campo da Saúde e demais políticas públicas. 
 
Democracia e Políticas Públicas
 
Até que ponto a democracia contribui ou favorece a proteção social? E, no Brasil, há essa contribuição? Para o pesquisador da Fiocruz-MG Romulo Paes de Souza, o estudo do economista Marcelo Neri sobre a evolução da pobreza no Brasil e as eleições auxilia essa resposta. “Nos anos eleitorais, a pobreza sempre cai, ou seja, há um esforço maior buscando condições favoráveis de disputa. Em relação à desigualdade, é outra história, pois somos mais competentes em combater a pobreza do que a desigualdade.”
 
Ao admitir que as democracias ajudam no combate à pobreza, mas têm enorme dificuldade em combater a desigualdade, o palestrante argumentou que a construção das políticas sociais não favorece o processo redistributivo. “O Brasil tem um investimento importante, mas com baixa capacidade de redistribuição. E isso tem a ver com o modelo previdenciário, que é limitado. A Reforma da Previdência não ajuda; ela amplia ou tende ampliar a desigualdade na distribuição de riqueza no Brasil, pois seu foco está no equilíbrio fiscal, sem contemplar o aspecto redistributivo dessa política. Quando se permite a redistribuição – e isso foi feito no Brasil –, há uma reação para interrupção desse ciclo.”

Romulo reforçou que a escolha econômica, mesmo num contexto democrático, pode piorar as condições de vida da população – o que contraria o sentido da política social. “A política de proteção social é demasiadamente impactada pela capacidade e investimento e sustentabilidade financeira, pela agenda (vontade política), pela demanda social qualificada (não é retomar o patamar de anterior, mas elevar a condição de vida para reduzir as desigualdades), além de tecnologia disponível, capacidade institucional e resiliência.”

Por fim, decretou: “Na democracia, é muito mais factível que se realize políticas de proteção social com sentido transformador e que, ao mesmo tempo, combatam pobreza com sentido inclusivo. “Isso não é em todo lugar, isso não acontece sempre, mas foi assim no Brasil até pouco tempo.”
 
Produzindo saúde em uma sociedade democrática
 
Na sequência, o pesquisador do Pepas/IMS/Uer,j Benilton Carlos Bezerra Júnior, falou sobre como produzir saúde em uma sociedade democrática. Para isso, abordou a interface entre saúde e sociedade e cultura e política. Ele citou o documentário ‘O espírito de 45’, de Ken Loach, que analisa o contexto sociopolítico na Inglaterra, marcado pela desigualdade, após a Segunda Guerra Mundial – e destacou o espírito de mudança coletiva que imperava no pais naquela época.
 
Fazendo um paralelo com o Brasil atual, de maneira mais subjetiva, Benilton questionou quais desafios temos em 2019 no que diz respeito à luta pela saúde e às estratégias de construção da democracia. “Precisamos acionar nossa imaginação para conseguirmos uma mudança nos próximos anos. Não é o espírito de 45 que precisamos, mas o de 2019. Sem esse espírito, não conseguiremos aproximar saúde e democracia”, reforçou. No âmbito da saúde, o pesquisador citou artigo do seu colega na mesa, Naomar de Almeida Filho, que aponta duas concepções de saúde. 
 
Sob o ponto de vista da concepção positiva, Benilton destacou que saúde é uma potência em direção a um fim inalcançável. “Ser saudável é viver essa tensão. Saúde não se opõe ao conceito de doença; saúde é o próprio exercício da vida. Saúde é sempre um processo de transferência inesgotável. A natureza da saúde tem um aspecto negativo, não se esgota em uma ideia. Ela é um movimento contínuo”, refletiu o pesquisador do IMS/Uerj. Ele advertiu, ainda, que vivemos, atualmente, a ambição da positividade dos dados concretos, que contaminam nossa maneira de pensar.

Segundo Benilton, a saúde possui uma natureza dinâmica, uma vez que não se esgota, e é baseada na sua relação com o ambiente. O mesmo se aplicada à democracia. “É um desafio manter a democracia, pois ela é um horizonte, um valor. A vida é um escrutínio de valor. Na democracia, nós valoramos. Tudo na democracia implica valoração. Assim como os valores que implicam a saúde, na democracia é a mesma coisa”, explicou ele. 
 
Por fim, o pesquisador apontou a democracia como valor universal. Para ele, é fundamental pensar nisso diante do cenário que vivemos atualmente. “Esse elemento precisa fermentar nosso subconsciente. Caso contrário, vemos apenas a reiteração de palavras de ordem que tentam trazer o passado para a atualidade. Já percebemos que isso não vai funcionar. Só vamos sair do atoleiro se colocarmos a cabeça para fora. Para isso, precisamos sair dessa polarização absurda que divide nossas famílias e possui dois grandes problemas: não convence ninguém; e nos cristaliza nas nossas ideologias”, alertou.

Sobre os desafios das transformações na saúde e na democracia em 2019, Benilton assegurou que são necessárias transformações radicais nas bases das nossas vidas sociais. De acordo com ele, as noções de interior versus exterior e de público versus privado estão totalmente borradas. “Precisamos pensar. A cultura hoje é avessa à reflexão crítica. Precisamos de uma reviravolta. Somos todos iguais, porém, diferentes no que nos une. A democracia é o grau da razão. Finalizo com uma frase de Jürgen Habermas, ‘A unidade da razão na multiplicidade das suas vozes’, algo acima das nossas particularidades”, concluiu o pesquisador, apontando desafios para os próximos 65 anos da Escola Nacinal de Saúde Pública Sergio Arouca.

Saúde e educação como pilares da democracia
 
Último palestrante da mesa, Naomar de Almeida Filho fez um grande apanhado histórico sobre a educação e sua interface com a democracia no Brasil e no mundo, citando, entre outras questões, elementos de base da revolução francesa e norte-americana. “Do ponto de vista de estrutura política nacional, temos uma democracia com uma série de questões na sua própria estruturação, que, entre outras coisas, são elementos de desigualdades, iniquidades, opressões e privilégios. E essa sociedade, ao sofrer os efeitos perversos do tipo de globalização ao qual estamos submetidos, constrói um Estado que descumpre aquela utopia histórica que é a sua função, o qual, em vez de garantir serviços públicos com qualidade e equidade, em particular nos campos da saúde e educação, é ativo na promoção de mal estar e desigualdades sociais”, detalhou o professor de epidemiologia e ex-reitor da Universidade Federal da Bahia.

 
Ele lembrou que estávamos caminhando em um processo político de reconstrução democrática pós-ditadura. “Foram três décadas em que a sociedade brasileira, devagar, estava normatizando e infiltrando os elementos de democracia do Estado de direito, apesar de sabermos que existe uma perversão social na educação e uma estrutura geradora de iniquidades na saúde e que tais elementos são geradores de desigualdades sociais no contexto social brasileiro”. Ele recomendou à plateia que assista ao filme Brazil, uma ficção científica distópica de 1985, dirigido por Terry Gilliam. Segundo Naomar, talvez esse filme seja a utopia cinematográfica que mais diz respeito ao nosso povo, pois representa o Brasil da ditadura militar aperfeiçoada.
 
O professor ressaltou ainda que este é um momento tático para reforçar a nossa Constituição, pois, apesar de sabermos que ela ainda apresenta lacunas, pode ser a nossa grande salvação. “Isso é pra entendermos que há um processo de transformação no qual o tipo de estado brasileiro que temos – às vezes denunciado como patrimonialista, às vezes como vulnerável a interesses, e outros -, é, na verdade, uma máquina de transformação de desigualdades e iniquidades”, comentou Naomar.  
 
Uma Escola de Saúde, Ciência e Cidadania
 
A ausência do diretor da ENSP, Hermano Castro, em virtude do falecimento de sua mãe, foi lamentada por todos na abertura do evento. A mesa composta pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, pelo vice-diretor de Desenvolvimento Institucional e Gestão, Alex Molinaro, pelo presidente da Asfoc-SN, Paulo Garrido, e pela representante do Fórum de Estudantes e do Coletivo Negros Fiocruz, Júlia Peixoto, prestou condolências ao diretor e enalteceu a trajetória e o compromisso da ENSP com a saúde pública brasileira e internacional.
 
A presidente da Fiocruz anunciou que a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados outorgou à instituição a condecoração de Patrimônio Nacional de Saúde, em razão dos mais de 70 anos dedicados à saúde pública no país. “A ENSP é parte fundamental desse processo que está atrelada à ciência, à formação de qualidade que garantimos aos estudantes e às propostas para transformação social no Brasil, como foi o movimento da Reforma Sanitária e o SUS”.

"Há 65 anos a Escola reafirma seu coprimosso com a saúde pública, o SUS, a produção de conhecimento, a formação de quadors para o sistema de saúde e de ciência e tecnologia e prestação de serviços para nossa população. O debate fica mais relvante diante da conjutra de perdas que estamos atravessando, como a EC 95, o corte no orçamento da Capes, a reforma trabalhista e a reforma da previdência, que prejudica, principalmente, os mais vulneráveis com o pretexto de atacar privilégios", afirmou o Alex Molinaro, vice-diretor da ENSP.
 
O presidente da Asfoc, Paulo Garrido, relembrou a fala do pesquisador Emérito da Fiocruz, Luiz Fernando Ferreira, para caracterizar a ENSP. “Nossa Escola tem sido uma casa de pensamento e ação, com fundamentação teórica ampla, do nível molecular ao social, com um objetivo claro: oferecer melhores condições de saúde para a população”, discursou. E completou. “Nesse tempo de queimadas reais ou metafóricas, o obscurantismo ataca a ciência e impõe silencio sobre dados estatísticos e análises destoantes do pensamento oficial. No mundo todo, as posições se acirram e se observa uma luta entre a barbárie e as forças da civilização. Nesses tempos não há lugar para uma ciência não engajada. Uma ciência, como dizia Oswaldo Cruz, liberta do “rol das flores de erudição” e do “terreno fofo dos conhecimentos teóricos”. Uma ciência na linha de frente de combate às mazelas e aos problemas do país sempre foi o objetivo perseguido pela ENSP”.
 
Júlia Peixoto destacou o papel dos alunos na instituição. “Estamos aqui para fazer saúde pública, quebrar paradigmas, questionar e dar continuidade ao trabalho feito há 65 anos. O espaço acadêmico e cientifico vem se tornando cada vez mais diverso. Pessoas antes vistas como um recorte e objeto de estudo, estão se tornando reprodutores do meio cientifico, não podemos mais mantê-las como estatísticas, sem dar lugar de fala. A democracia só acontece quando abrimos espaços para abrir e construir uma sociedade justa e igualitária”.