A governança regional na saúde, conforme explicou a pesquisadora da ENSP Luciana Dias, expressa as relações de dependência, interação e acordos estabelecidos entre múltiplos agentes (governamentais e não governamentais; públicos e privados), cujos interesses, embora muitas vezes divergentes, podem ser organizados e direcionados segundo objetivos comuns, de modo a assegurar a universalização do direito à saúde. No entanto, para ela, os fatores que condicionam a governança não se expressam de modo homogêneo no território nacional, sendo a diversidade regional um fator significativo na condução da política de saúde.
Este fenômeno foi o tema abordado no segundo dia (14/11) de atividades do seminário Regionalização e redes de atenção à saúde como desafios para efetivação do SUS organizado pelo Laboratório de Avaliação de Situações Endêmicas Regionais do Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Laser/Densp/ENSP), que contou ainda com a participação da pesquisadora da Escola Marcia Fausto. No encontro, as pesquisadoras apresentaram, respectivamente o estudo Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil e os resultados do primeiro ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ).
De acordo com Luciana, o uso da governança como categoria de análise se aplica aos estudos de política de saúde, frente à complexidade das intervenções regulatórias do estado no setor. “Esse processo é marcado pela multiplicidade de agentes envolvidos em função de repartição dos esquemas de financiamento e provisão de insumos e serviços, dos processos de descentralização para entes regionais e locais, da transferência de funções de gestão e prestação para empresas privadas, com ou sem fins lucrativos, e da autonomia relativa dos prestadores na execução de ações e serviços.”, explicou.
A pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil, segundo Luciana, tem como principal objetivo avaliar, sob a perspectiva de diferentes abordagens teórico-metodológicas, os processos de organização, coordenação e gestão envolvidos na conformação de regiões e redes de atenção à saúde, e seu impacto para melhoria do acesso e eficiência das ações e serviços no SUS. A pesquisa envolveu 28 pesquisadores e nove instituições brasileiras de ensino e pesquisa, que estão distribuídas por sete estados em quatro macrorregiões do país.
No âmbito da pesquisa, conforme explicou a pesquisadora, o enfoque da dimensão política da regionalização se justifica pelas mudanças mais gerais nas relações entre Estado, mercado e sociedade, no período pós-1988, e suas repercussões sobre a política de saúde. “Três aspectos demarcam a reforma do Estado no Brasil: a descentralização e o estímulo à conformação de sistemas de políticas públicas no contexto de reconcentração de recursos políticos e fiscais no executivo federal; a flexibilização e a mercantilização da gestão e oferta de serviços públicos, e a emergência de novos atores e institucionalização de práticas participativas associadas à democratização.”
De acordo com ela, tais processos sugerem enormes desafios para a regionalização como o fortalecimento da capacidade do Estado na condução da política de saúde em prol da universalização e o reforço da lógica pública orientada pelas necessidades e demandas de saúde da população.
‘É preciso que o governo valorize a APS’
Os resultados da primeira fase do PMAQ indicam que as equipes atuam cada vez mais como porta de entrada preferencial, atendendo a demandas diversas e exercendo a função de filtro para a Atenção Especializada (AE) com marcação de consultas especializadas pela Atenção Básica (AB), o que indica alguma responsabilização das equipes pela garantia da continuidade assistencial. Contudo, de acordo com Marcia Fuasto, as Equipes da Estratégia de Saúde da Família (EqSF) pouco monitoram os encaminhamentos de seus pacientes crônicos e persistem importantes barreiras organizacionais para acesso na AB e na AE.
Segundo a pesquisadora, os fluxos estão pouco ordenados e a rede pouco estruturada, a integração da APS à rede ainda é incipiente e inexiste coordenação entre APS e AE. Nos resultados da pesquisa, foram observadas diferenças nas condições de oferta e uso de serviços de APS, principalmente nos municípios pequenos localizados em área rural e remota. “É preciso que o governo valorize a APS”, opinou.
A coordenação, segundo Marcia Fausto, é um desafio contemporâneo e compartilhado por gestores de sistemas de saúde em diversos países, frente à necessidade de melhorar a qualidade da atenção. A pesquisadora afirma que para que a Atenção Primária à Saúde (APS) se torne coordenadora dos cuidados e ordenadora da rede de atenção, as equipes devem identificar necessidades em saúde que podem ser respondidas no âmbito da própria Unidade Básica de Saúde (UBS), assim como em outros níveis de atenção que compõem o sistema de serviços de saúde (SSS), instituindo-se como a porta de entrada preferencial aberta e resolutiva.
“Deve estar integrada à rede de serviços, ordenar fluxos e garantir o acesso a serviços especializados conforme necessidade, contribuindo para a redução da fragmentação, duplicação de ações e intervençoes desnecessárias.” Ainda de acordo com ela, a capacidade da APS em ordenar a rede é dependente da disponibilidade de oferta na AE. A contratualização de prestadores privados agrega obstáculos para a ordenação da rede a partir da APS, exigindo uma atuação forte da autoridade sanitária no sentido de perseguir tais valores no SSS.
O processo de governança no contexto da regionalização e organização das redes de atenção à saúde foi o tema da primeira mesa do segundo dia de atividades (14/11) do seminário Regionalização e redes de atenção à saúde como desafios para efetivação do SUS.