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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Violência não pode ser entendida como sinônimo de criminalidade


Para discutir a relação entre saúde e segurança pública em territórios vulnerabilizados, o Departamento de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP), em parceria com a Cooperação Social da Presidência e a Escola Politécnica Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), reuniu pesquisadores, gestores e movimentos sociais para dialogar sobre o contexto atual da violência em suas mais diversas formas. Dando início ao seminário Saúde e Segurança Pública: desafios em territórios vulnerabilizados, José Leonídio Madureira, coordenador de Cooperação Social da Fiocruz destacou a atuação da instituição na defesa da promoção da saúde através do conceito de determinação social da saúde e ressaltou o clamor legítimo que existe nos territórios de favelas por uma política de segurança pública mais comprometida com garantia de direitos e a preservação da vida, objetivos esses que são parte da missão institucional da Fundação.


“A Fiocruz, por ser uma instituição do Governo Federal presente em Manguinhos, na Colônia Juliano Moreira em Curicica, com o campus Fiocruz Mata Atlântica e também na Cidade de Deus, por meio de Farmanguinhos, se coloca na situação de atuar a partir dos marcos da promoção da saúde e da identificação das iniqüidades na determinação social da saúde. Isto, observando-se os índices da realidade do território: a morte prematura e os adoecimentos decorrentes da violência advinda dos enfrentamentos armados em territórios vulnerabilizados que reduzem a expectativa de vida dessa população”, pontuou Leonídio.

Segundo Maria Cecilia Minayo, pesquisadora do Claves/ENSP, iniciou as falas da mesa Segurança Pública na perspectiva dos determinantes sociais da saúde, informando que dados do Ministério da Justiça mostram que as vítimas e praticantes de crimes no Brasil são particularmente homens na faixa etária de 14 a 29 anos de idade, da cor parda ou preta, residentes nas periferias e favelas, com escolaridade que não ultrapassa o ensino fundamental, com renda por pessoa inferior a um salário mínimo e com um ambiente familiar marcado por histórico de ausências e violência.

“Nos encontramos com forças policiais militares ainda ligadas ao Exército, como vem sendo desde a Ditadura: acostumada a ver o outro como inimigo público. Se pensarmos uma comunidade com 50 mil habitantes, e nela houver 50 garotos armados no tráfico, isso representa 0,1%. É muito pouco, em termos quantitativos, mas de grande impacto. Temos nas favelas uma população resistente, que trabalha e que muitas vezes estrategicamente se cala diante do crime, porque não têm outra saída. Violência não deve ser entendida como sinônimo de criminalidade”, comentou Minayo.

Para ela, é necessidade de primeira ordem, para desconfigurar esse quadro de opressão e insalubridade, a valorização dos profissionais de segurança pública, que, em suas palavras, precisam ser melhor formados e educados, além da reestruturação do sistema penitenciário; do combate a corrupção policial, e do envolvimento da comunidade na prevenção da violência.

A cada 10 minutos, uma pessoa é assassinada

Em sua exposição, Alexandre Fonseca, coordenador-geral de Segurança, Cidadania e Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, apresentou as linhas de atuação da secretaria com respeito às fendas criadas pela política de segurança atual nas populações vulneráveis. “Fazemos internamente a disputa política sobre a redução da maioridade penal e a redução dos autos de resistência. Também trabalhamos com programas de proteção a pessoas vítimas e testemunhas de crimes (Provita), Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), mais as ações de combate a tortura e de extinção do trabalho escravo”, explicou.

Alexandre também deu um panorama sobre os trâmites institucionais pelos quais passa o Pacto Nacional pela Redução dos Homicídios. Segundo ele, a expectativa é que a cada ano se reduza em 5% os homicídios, nos locais onde mais se mata no país. "Dados de 2014 do Fórum de Segurança apontam que a cada 10 minutos uma pessoa é assassinada. Desde o final do ano passado, temos tido uma série de reuniões por conselhos nacionais, secretário de segurança pública, governadores, Governo Federal, e a ideia é de uma primeira fase que termine até no fim de 2015 e consiga levar para o território essa discussão”. Alexandre também classificou como indício de racismo institucional a superpopulação de jovens e negros encarcerados, lembrando dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que jovens negros tem 2,5 vezes mais chances de serem assassinados.

Preconceito, violência policial e violação de direitos

Coordenadora do Grupo Arteiras e membro da Rede de Instituições do Borel, Mônica Santos Francisco criticou a cristalização dos esteriótipos sociais do jovem negro, de boné, bermuda, sem camisa, como formas institucionalizadas pela polícia e agentes de segurança de se reconhecer um criminoso, e apontou um aumento do nível de tensão psicológica vivida por moradores de comunidades com a entrada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) e as remoções em Manguinhos. “O resultado é dramático, não só pela violência simbólica, afastamento das suas raízes, seu lugar de identidade, afetividade, sociablidade, no caso das remoções forçadas, mas uma violência policial que se traduz em óbitos, aumento do sofrimento mental, e vai impactar diretamente no SUS, na atenção básica”, analisou.

Ana Paula Santos, integrante do Fórum Social de Manguinhos, e mãe do adolescente Jonatha, assassinado aos 19 anos com um tiro nas costas, no ano passado, deu um emocionado depoimento sobre os impactos da violência policial em seu estado de saúde mental, e das famílias de vítimas de violência. “Eu cresci debaixo dessa violência, dentro de uma favela, vendo meu pai que era dependente químico apanhar da polícia pelo simples fato de ser usuário de drogas. A gente adoece. A gente vê que todo esse território é adoecido. Que uma mãe também quando perde um filho pelo braço armado do Estado, que tinha total dever de zelar pela vida, adoece”, lamentou.

Ela também lembrou do caso de Paulo Roberto, de 17 anos, assassinado sete meses antes de seu filho, espancado até a morte por policiais da UPP. “As enfermeiras disseram que ele tinha morrido por ingestão de drogas, com um corte na boca. O hospital estava cercado de viatura de polícia. Depois, até pela luta do Fórum Social de Manguinhos, os laudos comprovaram o espancamento. Algumas vezes profissionais de saúde são coniventes e auxiliam na omissão da verdade. Hoje eu sou uma pessoa adoecida e adoeço ainda mais quando vou a uma unidade de saúde e não recebo atendimento. O território todo adoece com a violência que existe nas favelas. É preciso pensar em projetos permanentes para as famílias das vítimas de violência, pois assim como eu, existem outras mães nessa situação. Não temos direito nem ao luto, pois precisamos ir a luta para buscar uma qualidade de vida melhor para todos em nosso território. Para isso é preciso que estejamos bem de saúde", finalizou Ana Paula.  


* Luiza Gomes - Comunicação da Cooperação Social da Fiocruz
* Tatiane Vargas - jornalista da Coordenação de Comunicação Institucional da ENSP/Fiocruz

* Fotos: Peter Ilicciev - Ascom/Fiocruz