Para celebrar o mês das mulheres, o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) promoveu um debate sobre o conceito de gênero e as discussões em torno dele. Segundo a professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Neuma Figueiredo de Aguiar, que proferiu a palestra Gênero: discussões em torno de um conceito, essa questão se popularizou nas Ciências Sociais a partir da Conferência Mundial de Mulheres, organizada em 1985 em Nairóbi, capital do Quênia. Desde então, começou a se buscar o uso de um conceito menos enviesado para expressar as diferenças entre os sexos. A atividade, realizada em 22 de março, contou ainda com a presença do diretor da ENSP, Hermano Castro, da coordenadora do Cesteh, Kátia Reis, e da pesquisadora do Cesteh Marcia Agostini, representando a Coordenação do Comitê Pró-Equidade de Gênero da Fiocruz. Na ocasião, a expositora convidada ressaltou a importância da atuação do comitê e a publicação do Dicionário Feminino da Infâmia, organizado por Elizabeth Maria Fleury Teixeira e Stela Nazareth Meneghel.
Segundo Neuma, existe uma dimensão social a respeito dos significados de gênero, entre eles a maneira de expressar as relações percebidas entre os sexos. “Cada disciplina do conhecimento humano elege diferentes aspectos das relações sociais entre homens e mulheres para estabelecer seu foco de análise, supondo que as diferenças são produto de um consenso. Gênero se refere à identidade subjetiva, entre outros aspectos”, explicou. A professora citou ainda algumas perguntas de gênero, como: Quem sou eu? Como me apresento aos outros? Como os outros me veem? Quais as minhas preferências sexuais? Com quem me relaciono?
Além da dimensão social sobre o conceito de gênero, há também uma dimensão política, que compreende a maneira de significar as relações de poder como se apresentam na vida cotidiana. De acordo com Neuma, nas Ciências Sociais, esses significados se apresentam nos campos da análise da participação política e da análise das desigualdades sociais. Outro ponto abordado pela professora foi em relação à origem da opressão da mulher. Para tal, ela citou as questões levantadas pela autora Gayle Rubin sobre como articular estrutura social e a relação entre homens e mulheres. “Gayle Rubin faz isso quando postula a existência de um sistema de sexo-gênero, que significa o modo de expressar a organização social da sexualidade. Temos como pontos de partida discutidos contemporaneamente enfoques de Freud e de Lévi-Strauss”, descreveu.
O sistema de sexo-gênero é identificado por Rubin como semelhante aos conceitos de modo de reprodução e de patriarcado. Segundo Neuma, a proposta da autora é distinguir entre sistema econômico e sistema social, já que o sistema de sexo-gênero vai além da reprodução humana, bem como da reprodução social. A autora cita, também, o sistema de parentesco como outra forma de referência ao sistema de sexo-gênero. “O sistema de parentesco representa a forma como sexo e gênero são organizados e produzidos. Tal sistema produz a subordinação das mulheres. Gênero é uma forma de impor uma divisão social”, analisou a expositora.
A professora também trouxe para a discussão a questão da heterossexualidade compulsória, que, segundo ela, já era um princípio da organização social, antes da instituição do tabu do incesto, e, por essa razão, entendida como compulsória. “Essa generalização, contudo, causa dificuldades à análise de gênero no âmbito da cultura”. Por fim, Neuma abordou o enfoque de gênero no campo do conhecimento científico citando o livro que está desenvolvendo, além de apontar exemplos de pesquisas e serviços no âmbito da Fiocruz, como o Dicionário Feminino da Infâmia.
Segundo ela, enunciar quando relações sexuais não podem ser mantidas significa expressar interdições à sexualidade, e não o seu uso compulsório. “Num sistema de construção de laços de parentesco, há regras que instituem o uso da sexualidade, como quando e com quem é possível a conjugação sexual e quando a conjugação sexual é interditada. As normas objetivam regular a reprodução humana, e a situação pode ser contrastada com a da contemporaneidade, em que cada ser humano pode controlar sua capacidade de procriar”, finalizou.