Composta em sua maioria por mulheres, o Complexo de Manguinhos conta, segundo o Censo 2010, com mais de 20 mil moradores. Destes, 36% apresentam problemas relacionados a pressão alta, 44% foram internados devido a motivos clínicos como infarto e derrame e 45% são atendidos nos serviços públicos da região. Esses e outros números foram obtidos após um trabalho de pesquisa realizado por moradores do próprio complexo, capacitados pelo Projeto Território Integrado de Atenção à Saúde de Manguinhos (Teias - Escola Manguinhos), uma iniciativa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), que buscou analisar as condições de saúde na comunidade carioca, ao mesmo tempo em que capacitava e oferecia oportunidades profissionais aos seus moradores.
No total, os participantes realizaram 955 entrevistas domiciliares, incluindo 2.918 famílias e 883 entrevistas individuais. Todas eles aprenderam técnicas específicas para pesquisa de campo e, atualmente, esse conhecimento está sendo aproveitado em outras iniciativas da Fundação. Para integrarem a equipe de entrevistadores, todos os inscritos passaram por um processo seletivo e, posteriormente, 20 aprovados foram encaminhados para a capacitação. Destes, 10 ficaram em um cadastro de reserva, que acabou sendo aproveitado, e o restante foi contratado pelo projeto, como explica Cintia Ramos, uma das aprovadas para a pesquisa: “O processo seletivo durou todo o mês de janeiro. Nesse tempo nos passaram informações sobre o projeto, termos de consentimento, formas de abordagem, noções de epidemiologia, entre outras coisas. Como teste, fazíamos uma dinâmica onde entrevistávamos um ao outro”.
Segundo Débora Theodoro, outra entrevistadora do projeto, a capacitação ia desde o conhecimento do software utilizado, até saber como proceder em casos de abordagens de policiais ou traficantes. “Antes de irmos a campo, nos ensinaram como se aborda as pessoas, a parte teórica, princípios do SUS, uso do notebook para a inclusão dos dados da pesquisa, entre outras coisas. Além disso, tivemos orientação sobre como proceder em uma comunidade com tráfico de drogas”.
Segundo os entrevistadores, a receptividade dos moradores de Manguinhos foi grande. O maior desafio para sua conclusão não estava na dificuldade para a realização de entrevistas, mas no mapeamento das casas e na violência gerada pelo enfrentamento entre policiais e traficantes. De acordo com o entrevistador Mariano Varjão Alves Junior, a intensidade com que as operações ocorriam fizeram com que o trabalho se tornasse um desafio. “Não achava que seria um desafio tão grande. Havia dificuldades com o tráfico, as operações policiais e alguma desconfiança por parte dos moradores. Lembro que, em abril, chegamos a ficar 15 dias sem trabalhar porque as operações da polícia eram muito constantes antes da chegada da UPP [Unidade de Polícia Pacificadora]”.
Experiência é aproveitada em outras ações
Apesar das dificuldades encontradas, boa parte da equipe seguiu na Fiocruz e foi aproveitada como bolsista em outros projetos da Fundação. Uma delas é Ana Paula Josefa da Silva, que desde o encerramento do Teias já trabalhou no Centro de Saúde da Ensp/Fiocruz e em uma pesquisa sobre idosos e nutrição. “Eu sempre tive vontade de trabalhar na Fiocruz e só posso agradecer as minhas coordenadoras e supervisoras. Elas formaram uma equipe que virou uma família. Atualmente, continuo fazendo pesquisa de campo em Manguinhos, só que o foco agora é o saneamento básico”.
Assim como Ana Paula, Débora também seguiu exercendo outras atividades da Fundação, e aponta sua participação no projeto como estímulo para a realização de um curso de graduação. “Eu fiquei muito animada depois que soube como uma pesquisa é feita. Via o resultado de pesquisas da Fiocruz em matérias na tevê... Agora sei como tudo acontece. Quando o projeto Teias acabou, fui trabalhar no Elsa [Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto], onde estou até hoje. Estar aqui me deu ânimo para fazer uma faculdade. Estou no segundo período do curso de Serviço Social”.
Débora Theodoro, Mariano Varjão e Ana Paula
Além da possibilidade de continuar trabalhando em projetos da Fiocruz, os profissionais também destacaram o aumento do interesse por temas ligados à saúde. Segundo Cintia Ramos, conhecer a Fiocruz por dentro foi fundamental para essa atração pelo tema. “Conheci mais sobre as doenças, prevenção e me interessei pelo assunto durante o curso. Comecei a ver que aquele mundo era meu. Depois do Teias, acabei fazendo outros cursos aqui na Fiocruz, como o de análises clínicas, e agora penso em estudar biologia."
O Epidengue 006 é outro projeto da Fiocruz que aproveitou a experiência acumulada pela equipe do Projeto Teias. Logo após o término do projeto, Mariano foi convidado para ser bolsista no projeto Coorte Dengue, onde era responsável por trazer gestantes para consultas e identificar o motivo que fazia com essas mães eventualmente não fossem se consultar. De lá, passou a integrar a equipe do Epidengue006 como supervisor, onde está até hoje. “Hoje trabalho na supervisão de área. Dou auxílio à equipe de pesquisadores, uma vez que as casas visitadas para a pesquisa são as mesmas que percorremos no Projeto Teias”.
Os resultados do projeto, realizado através de uma parceria entre a Ensp/Fiocruz, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS/RJ) e a Defesa Civil do Rio de Janeiro, podem ser acessados na internet ou consultados na cartilha Como vai a sua saúde: resultados da pesquisa sobre a situação de saúde dos moradores da região de Manguinhos, publicada pela Ensp. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail pesquisa-teias@fiocruz.br ou diretamente no site do projeto .