Para comemorar o Dia internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca teve o prazer de receber a historiadora brasileira Anita Prestes, filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário Prestes, para uma palestra sobre exemplos de rebeldia feminina. Com dois deles em família - sua avó paterna Leocádia Felizardo Prestes e sua mãe Olga Benário Prestes -, Anita fez um breve panorama sobre a vida e a luta de duas mulheres que estiveram à frente do seu tempo e batalharam principalmente contra as injustiças sociais e políticas da época. Ela ressaltou que Leocádia e Olga foram grandes exemplos de mulheres que se sacrificaram e até mesmo morreram pela luta, mas que existem tantas outras que heroicamente contribuíram para um mundo melhor e com mais igualdade de gênero que não são lembradas. "Oito de março deve ser lembrado como um dia de luta pela emancipação da mulher, o que significa luta contra o capitalismo, pois atualmente a data é esvaziada de conteúdo e tem caráter meramente comercial".
A palestra foi coordenada pela vice-diretora de Pós-Graduação da ENSP, Tatiana Wargas, que deu boas vindas à historiadora e ressaltou a importância de recebê-la na Escola para marcar uma data tão especial. Para contextualizar a história Anita citou a polêmica que envolve o Dia Internacional da Mulher, baseada em uma greve de mulheres tecelãs nos Estados Unidos em 1857. As trabalhadoras reivindicavam melhores condições de trabalho, que incluíam a redução da carga horária de 12 para 8 horas. O desfecho do episódio foi a morte de 130 mulheres que foram trancadas na fábrica e morreram carbonizadas. Segundo Anita, somente em 1975 a data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Internacional da Mulher. “Os comunistas sempre comemoraram a data. Entre os anos de 1945 e 1947 o dia era sempre marcado por reuniões e encontros. No Brasil e em diversos países a data sempre foi lembrada, a questão é que o dia precisa ser marcado como um dia de luta, pois na sociedade capitalista a mulher é duplamente explorada. No Brasil grande parte das mulheres continua recebendo menores salários. Aqui e no mundo, onde existe capitalismo selvagem, a mulher continua sendo explorada”, considerou.
Para a filha do Olga Benário, o mais importante atualmente é ver como o Dia Internacional da Mulher pode contribuir para emancipação feminina, seja financeiramente, politicamente ou socialmente, e romper com os padrões consumistas. Segundo ela, uma das maneiras de resgatar o caráter de luta dessa data é resgatar e divulgar a história de mulheres que lutaram e até morreram por ela. Assim Anita Prestes começou a contar a história de sua avó, Leocádia Felizardo Prestes, nascida em 1874, em Porto Alegre e filha de comerciantes de posses. Seu pai – bisavô de Anita – era um abolicionista, republicano, considerado progressista, algo muito diferente que a maioria dos comerciantes da época. Leocádia se interessava por política e lia jornais, queria ser professora, mas as amarras machistas da época jamais permitiriam que uma moça de classe como ela trabalhasse.
Assim, como toda mulher da época Leocádia se casou com o jovem tenente, Antonio Pereira Prestes, que participou do movimento republicano e também era abolicionista. Com o casamento ela viajou a pais inteiro e se deparou principalmente com a violência utilizada pelo exército. Em 1904 Leocádia vem pro Rio de Janeiro, seu marido doente morre e ela se vê sozinha com filhos pequenos para criar e grandes dificuldades para viver. Luis Carlos Prestes vai para o colégio militar e Leocádia trabalhar. “Mesmo com todas as dificuldades que estava passando naquele momento ela era sempre muito preocupada com os mais pobres e os trabalhadores e atenta as questões políticas. A família diz que às vezes faltava comida em casa, mas jornal nunca. Ela estava sempre informada e disposta a ajudar”, defendeu Anita. Em 1910 Leocádia foi com Prestes, que na ocasião tinha 12 anos, para um comício. “Com certeza a maneira como ela encarava e via o mundo influenciou muito na formação de seus filhos, principalmente na do Prestes”, destacou.
Em 1924 Prestes vai para a Coluna e conta com total apoio de sua mãe. Ela além de apoiar a luta também prestava apoio moral e emocional para as mães de outros oficiais. Durante toda luta de Luís Carlos Prestes sua mãe esteve ao seu lado. Viajou o mundo, trabalhou, ensinou, sofreu, chorou, riu e fez tudo aquilo que podia para libertar os presos políticos no Brasil. “Ela foi a principal militante da Campanha Prestes e por isso estou aqui, costumo dizer que sou filha da solidariedade. Entre 1941 e 1942 quando parecia que o fascismo seria vitorioso ela dizia que íamos derrotá-los. Em junho de 1943 Leocádia morreu. Ela se transformou em uma comunista revolucionária, exemplo muito interessante de uma brasileira a frente do seu tempo”, defendeu.
Olga Benário Prestes, uma história assistida por mais de quatro milhões de pessoas
Após falar sobre a história de sua avó, Anita contou um pouco a história de sua mãe, que segundo ela, já nasceu em outra época. Mais conhecida, a vida de Olga Benário virou filme que já foi assistido por mais de quatro milhões de pessoas. No auge dos seus 15 anos, Olga se deparava com as muitas revoluções na Alemanha após a 1º Guerra Mundial. Naquela época o fascismo se estabilizou no país devido a insatisfação da população no pós guerra. Também herdeira de uma família rica, sua mãe era filha de banqueiros e seu pai, um homem generoso, advogado que defendia os interesses trabalhistas. Segundo Anita, aos 15 anos Olga foi trabalhar em uma gráfica e lá tem seu primeiro contato com as lutas que emergiam na cidade. Conhece um dirigente comunista e se apaixona por ele. Assim, aos 15 anos Olga foge de casa e vai para Berlim com seu amado. A partir daí começa sua história de luta.
Militante extremamente ativa, Olga Benário é presa junto com o companheiro, encabeça a fuga dele, também foge e é mandada pelo partido comunista para antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Aos 20 anos vira dirigente da Internacional da Juventude Comunista e vai para Moscou estudar na escola de aviação para se preparar para virar agente do Partido Comunista. “A partida daí é que ela conhece Prestes. No final de 1934 ela é consultada se pode acompanhar Prestes ao Brasil e aceita a tarefa de transportar ele. Nessa viagem eles simulam que são um casal em lua de mel. Nesse percurso eles se apaixonam e chegam ao Brasil um casal mesmo”, descreve Anita.
Anos se passaram e toda história descrita no filme ‘Olga’ foi narrada rapidamente por Anita Prestes até prisão de sua mãe, que a carregava na barriga naquela época. Olga foi presa com outras companheiras da Aliança Nacional Libertadora (ANL) que participavam do movimento e somente na cadeia descobriu que estava grávida. Com sete meses de gravidez foi extraditada para um campo de concentração na Alemanha, segundo Anita, tudo feito clandestinamente.
“Houve muita pressão Internacional pela libertação da minha mãe e minha. Ela ficou e eu sai. Com um ano e dois meses, em janeiro de 1938 eu fui libertada. Alguns meses depois Olga recebeu uma carta de Leocádia dizendo que eu estava com ela. Em 1942 ela foi assassinada em uma câmara de gás em um campo de concentração. Olga era uma mulher organizada e mobilizadora que ajudava outras mulheres a enfrentar as dificuldades. Procurava viver e incentivar as outras a fazer o mesmo. Enquanto existiu a republica democrática alemã, Olga era uma heroína! Eu falei apenas de duas mulheres, mais existem muitas outras mulheres no mundo que morreram e se sacrificaram pela luta. Há muitas mulheres heróicas no mundo”, finalizou.
A palestra está disponível na íntegra no Canal da ENSP no Youtube.