"Estudar um atributo essencial da atenção primária à saúde como o vínculo longitudinal é legitimar a sua atuação dentro do trabalho das equipes que trabalham em uma comunidade na cidade do Rio de Janeiro, além de contribuir para o fortalecimento do campo das relações interpessoais dentro deste cenário e suas peculiaridades." Essa foi a razão que motivou a aluna do mestrado profissional em Atenção Primária em Saúde da ENSP, Renata Oliveira Maciel dos Santos, a desenvolver sua dissertação sob orientação da pesquisadora Elyne Engstrom. O objetivo dela foi analisar as estratégias relacionadas à construção de vínculo longitudinal (acompanhamento do usuário ao longo do tempo pela equipe de saúde), desenvolvidas pela Saúde da Família no cuidado das doenças crônicas, na clínica da família Marcos Valadão, da área programática 3.3 (bairro de Acari até Vista Alegre), na zona norte do RJ. “Apesar de reconhecidas como de vital importância para o trabalho na saúde da família, por muitas vezes e diferentes causas, estas práticas estão perdendo espaço e deixando de cumprir com o seu papel construtor e potencializador do cuidado individualizado”, concluiu a aluna.
Estudos apontam que a longitudinalidade apresenta efeitos benéficos no sistema de saúde como o melhor reconhecimento das necessidades dos usuários, diagnóstico mais preciso, redução de custos e de hospitalizações, melhor prevenção e promoção da saúde, e maior satisfação do usuários, sendo estabelecida, ao longo do tempo, uma confiança entre profissional e usuário, deixando este mais confortável para expor seus problemas e acatar as recomendações.
Renata encontrou como resultado do estudo a identificação do vínculo como um dispositivo simultaneamente usual e muito relevante dentro do cotidiano das equipes, sendo fundamental para a realização do trabalho na perspectiva do cuidado, podendo ser entendido também como dispositivo que agencia as trocas de saberes. Também foi possível identificar, conforme informou a aluna, as estratégias realizadas pelas equipes e a realização dos fluxogramas descritores com o percurso terapêutico dos usuários. Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, tendo como participantes os profissionais que atuam nas equipes de saúde da família e usuários hipertensos e/ou diabéticos atendidos por estas equipes.
A Atenção Primária à Saúde (APS) no município do RJ, até 2009, apresentava uma organização de seu sistema público de saúde centrado no modelo tradicional de APS, com baixíssima cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF), que cresceu de aproximadamente 7%, em janeiro de 2009, para 38%, em janeiro de 2014. Este aumento da cobertura ocorreu devido a uma mudança no modelo de co-gestão da saúde pública no município, baseada na contratação de organizações sociais em saúde.
Estas são unidades de saúde que se caracterizam por grandes estruturas, concentrando 5 ou mais equipes de Saúde da Família, com estrutura física diferenciada, onde a ambiência, o conforto, a beleza e a sustentabilidade são requisitos importantes, aliados à incorporação de tecnologia apropriada à pratica da APS, fisicamente sofisticadas, equipadas adequadamente, desde insumos tradicionais a inovações tecnológicas, como prontuários eletrônicos; e com condições para atraírem profissionais de saúde de qualidade.
O bairro de Acari, onde fica a clínica abordada no estudo, possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,72, sendo o terceiro menor do Rio de Janeiro, segundo dados do IBGE (2013). O bairro convive com a forte presença da violência, tráfico de drogas e áreas de intensa pobreza. A comunidade é cortada pelo rio Acari, do qual se originou o nome da comunidade; nas áreas próximas às margens do rio podem-se encontrar depósitos de lixos e infestações de roedores, além de frequentes situações de alagamento que o bairro enfrenta nas ocasiões de fortes chuvas. Dentro deste território, em 2004, iniciou-se o Programa de Agentes Comunitários (PACS), com 22 agentes comunitários que cobriam todo o complexo de Acari. Este programa funcionou por 6 anos, até que, em 2010, ocorreu a migração para o programa de Estratégia de Saúde da Família. Os 22 agentes comunitários de saúde foram incorporados ao novo modelo juntamente com a enfermeira do programa anterior. Com a implementação da ESF, foi construída uma unidade com infraestrutura de clínica da Família que comporta 7 equipes de Saúde de Família, e atende oficialmente a uma população de 29.658 pessoas cadastradas, sendo 852 diabéticos e 2.017 hipertensos.
Sobre a autora
Renata Oliveira Maciel dos Santos é graduada em Enfermagem pela Universidade Federal Fluminense (2010), especialista em Saúde da Família (2013), e atua como enfermeira na Clínica da Família Marcos Valadão e supervisora da equipe de enfermagem do Hospital Estadual Melchiades Calazans.