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segunda-feira, 28 de março de 2016

Zika congênita: doença já é uma epidemia, mas ainda precisa ser desvendada

“Sem novo aporte tecnológico, não há como controlar o vetor em curto prazo, ou seja, continuaremos a sofrer com epidemias no Brasil”, disse o pesquisador da Fiocruz Mato Grosso do Sul Rivaldo Venâncio da Cunha sobre o agravamento da incidência de zika congênita no país. Ele adverte, ainda, que a maioria dos problemas está fora da governabilidade do setor saúde. O debate com Rivaldo, a médica do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Sheila Moura Pone e a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Patricia Carvalho de Sequeira ocorreu durante o Centro de Estudos Miguel Murat Vasconcelos da ENSP intitulado O estado da arte sobre a epidemia do zika vírus: o que sabemos e ainda precisamos saber, realizado na Escola. 

A mesa, realizada em 15 de março, teve a coordenação da pesquisadora Letícia de Oliveira Cardoso. Os vídeos das palestras serão divulgados na íntegra, em breve, no canal da ENSP, no YouTube.







Anomalias fetais na infecção por Zika podem ocorrer em qualquer momento da gestação

A primeira apresentação do dia foi feita pela pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Patricia Carvalho de Sequeira, que falou sobre os aspectos epidemiológicos e o diagnóstico laboratorial do zika vírus. Segundo ela, os pesquisadores trabalham com duas hipóteses para a entrada desse vírus no Brasil. A primeira é que ele tenha chegado durante a Copa do Mundo, no ano de 2014, quando muitos asiáticos circulavam pelo país; e a segunda se refere à entrada do vírus por intermédio de atletas vindos da Polinésia Francesa e outras ilhas do Oceano Pacífico com o propósito de participar de um campeonato de canoagem no mar, ocorrido em agosto de 2014 no Rio de Janeiro. “Independente da forma como tenha chegado, sabemos que o vírus que se estabeleceu aqui é o da Polinésia Francesa”, explicou.

A história do zika no Brasil teve início em março de 2015. Na ocasião, um pesquisador da Universidade Federal da Bahia confirmou sua presença em amostras de sete pacientes no país. Isso deixou a comunidade científica em alerta. Em seguida, houve a confirmação de transmissão autóctone no Brasil, ou seja, quando a doença deixa de ser importada e passou a ser originária do próprio lugar em que foi encontrada.

Os principais sintomas do zika vírus são febre baixa, edema articular, conjuntivite e exantema (erupções cutâneas). Os pesquisadores já sabiam que a via de transmissão era por meio do mosquito Aedes Aegypti, mas, aos poucos, foram sendo levantadas outras possibilidades de transmissão, como saliva, urina, transfusão de sangue. No entanto, o que tem tido maior impacto é a possível transmissão perinatal, ou seja, a capacidade de o vírus ultrapassar a barreira transplacentária e causar doenças neurológicas nos bebês, em especial o zika, fato que somente foi confirmado em 2016 e passou a ser alvo de diversas pesquisas.

Patrícia apresentou alguns dados de um estudo que está sendo desenvolvido com a parceria do laboratório do IOC/Fiocruz sobre a relação da infecção por zika com anomalias fetais em grávidas do Rio de Janeiro. “A pesquisa ainda está em desenvolvimento, mas já podemos afirmar que as anomalias fetais observadas na infecção por zika podem ocorrer em qualquer momento da gestação; não mais apenas no primeiro trimestre, como se imaginava”, relevou preocupada. “No Brasil, foram notificados cerca de 6 mil casos de microcefalia. Desses, 745 foram confirmados, 1.180 descartados, e 4.200 ainda estão sob investigação. Esses números mostram a gravidade dos fatos”, completou.

Em estudo, pacientes serão acompanhados durante os três primeiros anos de vida

A pesquisadora do Instituto Fernandes Figueira Sheila Moura Pone iniciou sua apresentação expondo preocupação em termos de saúde pública: “O que temos visto são pacientes com a parte neurológica extremamente comprometida. Como consequência, teremos uma geração que demandará muito dos serviços de saúde, pois precisarão de cuidado multiprofissional, além do suporte à família.”

Outro ponto destacado por Sheila é a incidência da síndrome de guillain-barré nos adultos. “Essa síndrome, na verdade, é uma complicação vista em várias outras doenças virais. Seu número ainda é pequeno, mas preocupante nos adultos, e os meios de comunicação não têm falado sobre ela”, destacou.

A microcefalia não tem tratamento específico. De acordo com a pesquisadora, “na verdade, precisamos do diagnóstico precoce para começar o quanto antes a estimulação. Apesar de 90% dos casos apresentarem atraso neuropsicomotor, existe uma gradação muito grande dos sintomas; portanto, também teremos crianças com sintomas menores e, talvez, somente no futuro consigamos detectar”. Outro ponto trazido por Sheila são os casos de lesão grave em crianças expostas à zika na gestação, mas que não apresentam microcefalia. “Já são dois os casos, e estamos averiguando. No entanto, acreditamos que há muitas outras questões que ainda aparecerão nessa relação do zika com o sistema nervoso central”, alertou, dizendo ainda que esse é um desafio que está premente.

Para encerrar, Sheila comentou que o IFF/Fiocruz criou um ambulatório de zika para receber a nova demanda. Estudos específicos dessa doença também já estão em andamento. “Os pacientes serão acompanhados durante seus três primeiros anos por uma equipe multiprofissional para termos uma visão global da criança. Não existe cura, existe a reabilitação, o suporte para a família e profissionais de saúde. E é com isso que teremos que aprende a lidar.”





A maior parte das questões relacionadas à epidemia de zika congênita estão fora da governabilidade da área da saúde

Rivaldo Venâncio Cunha, que também é ligado à Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, falou sobre os desafios da organização da rede de atenção às vítimas do zika congênita. “Nós, profissionais da saúde, estamos o tempo todo alertando sobre a gravidade dessa epidemia que estamos vivendo. A microcefalia é apenas uma das alterações congênitas. Possivelmente, a mais grave, porém não a única e, muito provavelmente, não deve ser a mais frequente dessa infecção. Estamos trabalhando para entender o universo que atual que vivenciamos e toda a sua complexidade”, assegurou Rivaldo Venâncio.

“Quando analisamos o binômio de saúde, mãe e bebê, percebemos que estamos diante do mais grave problema de saúde pública dos últimos 100 anos no Brasil”, disse o pesquisador. Segundo Rivaldo, ele já é muito mais sério, inclusive, que a transmissão vertical do HIV. Para elucidar, ele comentou que, de 1983 até o final de 2015, foram notificados 30 mil casos de infecção por HIV de mãe para filho. No caso do zika, somente em relação à microcefalia, a expectativa é que, no período de um ano e seis meses, cerca de 15 mil novos casos apareçam.

Alguns desafios da organização da rede de atenção às vítimas da zika congênita trazidos por Rivaldo foram: o dimensionamento da magnitude da demanda; as dificuldades para o diagnóstico laboratorial; o espectro clínico da infecção e o papel da infecção assintomática, pois ainda não se conhece todas as nuances clínicas da doença; a rede ambulatorial especializada restrita; e a carência de profissionais de especialidades fundamentais para a atenção integral.

Já sobre os desafios para o controle do vetor, o pesquisador defendeu as epidemias de dengue, zika e chikungunya como graves problemas de saúde pública, cujas origens e soluções definitivas estão fora do setor saúde. Entre elas estão a ocupação desordenada e a alta densidade populacional, o acúmulo de resíduos sólidos urbanos e abastecimento de água irregular. Ele advertiu ainda que sem novo aporte tecnológico, não há como controlar o vetor em curto prazo, ou seja, epidemias continuarão a ocorrer no Brasil. "A maioria dos problemas está fora da nossa governabilidade", disse ele. 


O pesquisador ressaltou ainda a importância da educação permanente em saúde, como uma maneira fundamental para otimizar o papel da rede de Atenção Primária do país. “Há uma demanda por informações para auxiliar na solução dos problemas. Coordenamos um curso da UFMS, dado à distância, por meio da Universidade Aberta do SUS, sobre atenção primária e abordagem clínica para zika, que, em três semanas, teve 25 mil inscritos. Um outro curso dado na mesma plataforma, porém sobre atenção primária com foco na chikungunya, somou mais de 20 mil inscritos. Isso mostra a enorme carência dos profissionais da saúde que estão inseridos na atenção primária. Infelizmente os desafios para organizar a rede são gigantescos e muitas vezes lamentavelmente negligenciados”, alertou ele.