Celebrado em 29 de agosto, o Dia Nacional de Combate ao Fumo foi criado em 1986 para conscientizar e mobilizar a população sobre os riscos decorrentes do uso do cigarro. Trinta anos após a instituição da data, muitos progressos foram alcançados, no âmbito da implementação de políticas para controle do tabaco, com o objetivo de reduzir o sofrimento e mortes em decorrência de seu uso. No entanto, ainda há muito a ser feito para impedir a propagação do produto, que é a principal causa de óbito evitável no planeta. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 200 mil pessoas morrem todos os anos no Brasil em decorrência do fumo, e esse valor saltará para cerca de 4,9 milhões em perspectiva mundial. Segundo os pesquisadores do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab/ENSP), ao longo desses anos, medidas como aumento de preços, proibição da propaganda e do consumo de tabaco foram fundamentais para diminuição do impacto do tabaco na vida das pessoas. "Estamos celebrando também 10 anos de ratificação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco no Brasil (CQCT). Muito já foi conquistado, mas é preciso seguir em frente e avançar ainda mais", reforçaram.
No âmbito das conquistas, de acordo com a explicação da pesquisadora Silvana Turci, do Cetab/ENSP, a proibição do consumo de tabaco em locais coletivos fechados – o que torna os ambientes 100% livres de fumo – foi fundamental, mas ainda é preciso avançar na regulamentação nos pontos de venda, usados como painéis de propaganda. Desde a proibição de propagandas nos pontos de venda, a indústria vem adotando uma forte estratégia: o uso de displays atrativos e luminosos para venda dos produtos - próximos a balas e doces -, o que busca atrair os jovens, assim como a adição de sabor aos produtos do tabaco. “Os aditivos são apelativos para os jovens, uma vez que, ao experimentar, muitos sentem irritação na garganta e mau gosto nas primeiras tragadas. Os aditivos, em especial o açúcar e o mentol, reduzem essas sensações ruins, tornando as primeiras experiências prazerosas”, alertou ela.
De acordo com a coordenadora do Cetab, Valeska Figueiredo, O Brasil foi o primeiro país a vedar o mentol por meio de uma medida da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); no entanto, por uma medida impetrada pela indústria, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a ação. Segundo ela, há muitos deputados que defendem os interesses da indústria e usam de diversas estratégias para emperrar o prosseguimento de projetos de lei. Ainda de acordo com a coordenadora, a proibição de aditivos, implementada atualmente pela Comissão Europeia, será uma medida de grande importância para reduzir a iniciação ao tabagismo.
Brasil como exemplo
As leis de controle do tabaco no Brasil têm inspirado muitos países, e seu sucesso pode ser percebido com a queda na prevalência de fumantes. Segundo Silvana Turci, com base nos dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel 2013) o porcentual de fumantes caiu 28% nos últimos oito anos. “Em 2006, 15,7% da população adulta que vivia nas capitais fumava. Em 2013, a prevalência caiu para 11,3%. O dado é três vezes menor que o índice de 1989, quando a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou 34,8% de fumantes na população. A meta do Ministério da Saúde é chegar a 9% até 2022”, descreveu ela.
Impostos mais altos para reduzir a procura
Impostos mais altos sobre o produto são a estratégia mais eficaz para reduzir a procura, uma vez que os preços elevados incentivam os usuários a desistir do fumo e desencorajam outras pessoas a começar a fumar. Valeska descreveu que um estudo recente aponta redução na prevalência de jovens fumantes entre 2008 e 2013, de acordo com dados do IBGE. Segundo a coordenadora, a indústria se utiliza do argumento do aumento no preço do cigarro para justificar o contrabando. “Nos anos 1990, a indústria usou esse mesmo argumento, o governo reduziu os impostos, e a industria aumentou. Há estudos também que comprovam o fato de que a política de aumento de impostos não aumentou o contrabando. A verdade é que se a indústria grita contra – como faz com a questão dos impostos – é porque é ruim para ela”, alertou a coordenadora.
O aumento dos impostos, no entanto, é a medida da Convenção Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) que teve menor progresso. O Chile é o único país da região das Américas onde os impostos sobre os cigarros representam mais de 75% do seu preço de venda no varejo. Outros países como Argentina, Jamaica e Peru tomaram medidas, recentemente, para aumentar a tributação, embora sem chegar aos 75% recomendados pela OMS. No Brasil, a taxação totaliza 64,94% do preço do produto no varejo.
Observatório foca nas ações da indústria
No âmbito das conquistas, o Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde comemora também o lançamento do Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco – a primeira plataforma digital criada por uma instituição pública da área de saúde –, cujo objetivo é demonstrar a interferência da indústria do fumo nas políticas públicas de controle do tabaco. A ferramenta, que permite colaborações externas, armazenará documentos que revelam a influência da indústria nos processos políticos e legislativos, promovendo parcerias com lobistas para obter decisões que contemplem seus interesses.
Segundo Silvana Turci, o Observatório é mais um instrumento para confirmar a atuação da indústria do tabaco, na tentativa de comprometer as ações que resultem em políticas efetivas de controle. Existe um conflito fundamental e irreconciliável de interesses entre a indústria do tabaco e a saúde pública; dessa forma, as partes devem ser responsáveis e transparentes ao lidar com a indústria, bem como exigir que a indústria opere de maneira responsável e transparente. Além disso, devido à natureza letal de seus produtos, não devem ser fornecidos incentivos para a indústria estabelecer seus negócios”, afirmou ela.
O Observatório pode ser acessado pelo endereço http://cetab.ensp.fiocruz.br/index.php/, e contribuições enviadas para o e-mailcetab.observatorio@ensp.fiocruz.br. Nele constam também informações adicionais como nomes de pessoas ligadas à indústria do tabaco – políticos, advogados e blogueiros – e organizações ligadas à indústria – escritórios de advocacia, empresas de fachada e agências de publicidade.
O Dia Nacional de Combate ao Fumo
Este ano, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), parceiro do Cetab/ENSP em diversas ações que buscam reduzir o sofrimento e mortes em decorrência do tabaco, lançou a campanha #MostreAtitude: sem o cigarro sua vida ganha mais saúde, motivada pelos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. O tema esporte foi adotado para alertar a população, principalmente os jovens, sobre os benefícios da atividade física na prevenção da iniciação e no apoio à cessação do tabagismo. O Dia Nacional de Combate ao Fumo tem como objetivo reforçar as ações nacionais de sensibilização e mobilização da população brasileira para os danos sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco.
Para Silvana Turci, temos muito o que comemorar, mas é preciso seguir em frente e avançar ainda mais. “Atualmente, precisamos focar em assinar e incorporar ações contra o comércio ilícito, que será agora um importante ponto na agenda para o efetivo e perene controle do tabaco”, comemorou.