“Ainda que a Fiocruz seja um espaço de construção e disseminação de conhecimento do campo conceitual e político da Saúde do Trabalhador (ST), no cotidiano das práticas, encontra dificuldades para implementar ações sob essa perspectiva. Apesar de alguns avanços na constituição de um trabalho multiprofissional, ainda há muito que se avançar, havendo pouca integralidade, dificultando ações interdisciplinares e participativas. Além disso, é observado que há dificuldades de incorporar a concepção do trabalhador como agente transformador da realidade que lhe causa dano.” Foi o que concluiu a aluna Maria Cristina Jorge de Carvalho em sua dissertação de mestrado em Saúde Pública da ENSP. Ela indica um caminho para que as práticas de saúde no trabalho sejam executadas sob a perspectiva do campo conceitual da ST: a construção de políticas institucionais não somente abarcando o que a legislação menciona, mas considerando as especificidades de cada instituição, avançando no conceito da ST, com todos os eixos que o campo preconiza. Maria Cristina ainda aponta a necessidade de maior articulação entre setores intra e interinstitucionais, ações de vigilância e, também, a promoção da participação e o diálogo com os trabalhadores, visando à melhoria dos processos e aperfeiçoamento das condições de trabalho. A eliminação/minimização das relações de trabalho tensas e desgastantes também está incluída, ressalta.
Sob orientação dos pesquisadores Maria Helena Barros de Oliveira e Renato José Bonfatti, os objetivos da pesquisa foram resgatar o processo histórico de institucionalização das práticas de saúde em uma unidade de produção da Fiocruz em seus aspectos organizacionais e operacionais, buscando a compreensão das influências das distintas abordagens das relações trabalho-saúde; contextualizar o processo de implementação do serviço de saúde do trabalhador da unidade em estudo; descrever as práticas de saúde à luz das diferenças conceituais entre Saúde Ocupacional, Saúde do Trabalhador e Qualidade de Vida no Trabalho; analisar os avanços e desafios das práticas; propor ações sob a perspectiva do campo da ST; além de contribuir para as reflexões da Saúde do Trabalhador no âmbito organizacional.
Na opinião de Maria Cristina, a pesquisa se justifica pela importância da compreensão do distanciamento entre as práticas implementadas e o que é preconizado pelos conceitos do campo. “Diante da complexidade dos diversos elementos apresentados, pode-se considerar que as práticas de saúde na unidade são fortemente influenciadas pelo paradigma da Saúde Ocupacional (SO) e da vertente geracional da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT).”
O estudo questiona como ocorreu o processo de implementação e implantação do serviço de saúde do trabalhador na unidade de produção da Fiocruz escolhida para o estudo e quais os avanços e desafios. ”A hipótese apresentada é que, no processo de institucionalização do serviço, assimilaram-se distintas concepções das relações trabalho-saúde, podendo ter gerado contradições que dificultam uma atuação na perspectiva ideológica da Saúde do Trabalhador. Constata-se que, ao assimilar essas diferentes expressões, surgiram dificuldades na integração de ações e diálogos devido à carência de uniformização técnica e troca de saberes”, explicou a aluna.
A aluna explica que a proposta da ST, como uma diretriz conceitual e ideológica inspirada nos princípios do Modelo Operário Italiano (MOI), em que, metodologicamente, utiliza-se de uma abordagem participativa nas questões das relações trabalho e saúde, sofre resistências para sua consolidação, pois amplia o protagonismo da classe trabalhadora no Sistema Capitalista. Essa questão se evidencia, exemplifica Maria Cristina, pela atual conjuntura desfavorável de retrocessos de direitos e a adoção de práticas organizacionais que podem dificultar uma postura mais crítica e política dos trabalhadores, internalizando certa ilusão de participação que acaba mantendo o status quo, podendo intensificar os agravos à saúde de quem trabalha. “Apesar de tal conjuntura, não podemos, no cotidiano de nossas práticas profissionais, deixar de nos inspirar nos princípios e lutar por melhorias das condições de trabalho.” concluiu.
Sobre a autora
Maria Cristina Jorge de Carvalho é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2011), com especialização em Direito e Saúde pela ENSP/Fiocruz. Ela atua como assistente social, com ênfase em Saúde do Trabalhador, no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), unidade da Fiocruz, responsável pelo desenvolvimento tecnológico e pela produção de vacinas, reativos e biofármacos voltados para atender, prioritariamente, às demandas da saúde pública nacional.