Na intenção de desenvolver metodologias para mapear vulnerabilidades socioambientais georreferenciadas, em parceria com o instituto de Geografia e Ordenamento do Território (Igot), da Universidade de Lisboa (ULisboa), em Portugal, a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) Simone Santos Oliveira foi aprovada para o programa Institucional de Internacionalização da Fundação Oswaldo Cruz (prInt Fiocruz-Capes), cuja temática que irá desenvolver será Cartografia Social para Riscos e Desastres: produção de sentidos nos territórios.
Tendo como colaborador o professor do Igot/ULisboa, José Luis Zezere, pelo período de três meses, Simone destacou que “o cenário apresentado por relatórios nacionais e internacionais reconhece a complexidade das situações de emergências e desastres, além de descrever um local de aumento da exposição da população a esse tipo de evento”.
Nessa perspectiva dos desastres, quando se apresenta a realidade do Brasil, “o Prevention Web - ferramenta utilizada na pesquisa - indica que, entre os anos de 1980 até 2010, foram contabilizados 146 desastres, com 4.948 mortes, uma estimativa de 160 mortes por ano no país. Afetadas diretamente, ainda nesse período, quase 48 mil pessoas, ocasionando prejuízo econômico de mais de 9 milhões dólares para o país.
Esses dados colocam o Brasil no ranking internacional de países com maior exposição humana e ecossistêmica a riscos. O Brasil está em 8º lugar (entre 184 países) no que tange à exposição a secas; em 13º (entre 162 países) quanto aos riscos de inundações; em 14º (de 162 países) no que se refere a deslizamentos, e 36º (de 89 países) quando o risco está relacionado a ciclones”.
Todavia, “um destaque crescente vem sendo dado à problemática do risco e da vulnerabilidade social como componentes essenciais para a construção de políticas públicas de planejamento, gestão territorial e vigilância em saúde. (...) a posição social é o que conta em alguns riscos. Sendo assim, a desigualdade social se reflete não apenas na distribuição material de riquezas, mas também na distribuição dos riscos”.
Vulnerabilidade: o potencial de uma perda
Na justificativa de seu projeto, Simone destacou questões referentes à vulnerabilidade para além de uma fraqueza social. “Em stricto sensu, vulnerabilidade é o potencial relacionado à perda, e, para representá-la localmente, é preciso apreender a intersecção entre os elementos físicos e sociais. Essa definição é adotada na geografia como vulnerabilidade ambiental, que considera aspectos regionais e dos ecossistemas, ditos territórios, embora não com o sentido político amplo que convém a essa categoria, mas na noção de espaço físico.”
A pesquisadora da ENSP prosseguiu citando o também pesquisador da ENSP, Marcelo Firpo, apontando que “a vulnerabilidade é expressão simultânea da liberdade humana e de seu abuso. É importante olharmos para essa vulnerabilidade não apenas como reflexo estrutural das nossas opções de desenvolvimento econômico e tecnológico, mas também considerarmos a trajetória e o contexto sociais dos grupos atingidos. Discutir o conceito de vulnerabilidade social não se trata apenas de recorrer a taxas de classificação de riscos, afirmando que a população X está mais exposta que a população Y, nem de correlacionar fragilidades e impotências a aspectos estruturais apenas”.
Abordagem da pesquisa: objetivos e relevância
A proposta da pesquisa é a realização de uma etapa importante do Projeto Inova Fiocruz, ou seja, possibilitar a adequação tecnológica da metodologia comum baseada na aplicação do modelo de avaliação da vulnerabilidade social, denominado modelo VS-CES-OSISRIS de análise multivariada dos componentes Criticidade e Capacidade de Suporte.
No Projeto Inova, os mapas georreferenciados de vulnerabilidades de municípios do estado do Rio de Janeiro, com pilotagem nas cidades serranas, especialmente três comunidades de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, serão assim construídos para intervir na lógica de investimento e modelagem de conteúdo das políticas públicas, com participação social por meio das cartografias sociais.
Nessa perspectiva, o projeto está realizando oficinas para definição dos indicadores e bases cartográficas. Um dos resultados esperados da pesquisa é a constituição de Observatórios de Vulnerabilidades Socioambientais, baseados na experiência do Observatório Osiris do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC), complementares à Comunidade Ampliada de Pesquisa. Eles possibilitarão coprodução e alianças de conhecimento ao longo de todo o processo, inspirando e enfatizando a produção de conhecimento científico mais precisa e relevante, além do engajamento das comunidades em conhecimento acionável para modos de vida sustentáveis.
Encontro acadêmico: Brasil e Portugal
Para os grupos de pesquisa de Portugal e Brasil - que se dedicam ao estudo de desastres, sua distribuição, tendências e efeitos sobre a saúde e os territórios em uma cooperação efetiva desde 2015 -, a visita da pesquisadora ao Igot-UL possibilitará a resolução de problemas metodológicos críticos a fim de realizar projetos de cartografia participativas, cruciais para a efetividade de políticas públicas em geral.
A possibilidade do desenvolvimento de projetos também em território português aponta para a constituição de redes de pesquisadores, com potencial envolvimento de outros países na Europa e África, onde o protagonismo dos pesquisadores da Fiocruz será fundamental; integrando redes amplas de busca de resolução de problemas globalizados ligados à saúde global e aos ODS da Agenda 2030.
Imediatamente, a consolidação da parceria Fiocruz/Igot irá garantir a possibilidade de compartilhamento de técnicas de mapeamento de vulnerabilidades socioambientais e o desenvolvimento de novas soluções, que serão expressas no intercâmbio de pesquisadores e também na formação de novos pesquisadores e profissionais.