O sociólogo Manuel Castells esteve na FGV no último dia 16 de julho para discutir os desafios que a sociedade moderna hiperconectada tem representado para as democracias em todo mundo. Autor do livro “A sociedade em rede” e “Ruptura - A Crise Da Democracia Liberal”, o professor espanhol é considerado um dos maiores acadêmicos da área de comunicação e ciências sociais do mundo.
Castells participou do seminário “Comunicação, Política e Democracia”, organizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (FGV DAPP). Segundo o sociólogo, a comunicação é um tema central nas relações de poder. Ele destacou, portanto, que é importante entender como funcionam e se transformam essas relações. De acordo com seus estudos ao longo dos anos, o poder reside nas mentes das pessoas e, tanto na história quanto na teoria, o poder pode ser interpretado a partir da perspectiva da coerção ou da persuasão.
“O que podemos observar empiricamente é que o poder que se dá somente pela coerção é débil, pois há sempre formas de escapar da coerção e em algum momento essa dependência se rompe”, destaca.
Ele também falou sobre o papel decisivo da comunicação para não só entender mas também para atuar e transformar as relações de poder, seja por meio de debates ou pelas lutas que são travadas diretamente nas mentes das pessoas. Castells acrescentou que a transformação institucional e tecnológica da comunicação reorganiza as formas de construção de poder.
“O que temos observado nos últimos 25 anos, na transição que chamamos de era da informação, é um certo deslocamento da construção da comunicação social dos grandes meios de comunicação de massa às redes sociais. O novo normal é a comunicação em tempo real nas redes sociais e isso tem enormes consequências”.
Castells destacou que houve perda de poder por parte desses meios de comunicação, visto que os processos de confrontação política, atualmente, se dão nas redes sociais. Ele acrescentou ainda que as construções de narrativas pelos veículos são constantemente modificadas nas redes e ressaltou que um ponto fundamental e que explica essas transformações políticas está na neurociência social.
“Fundamentalmente somos, como humanos, animais emocionais. A ideia de que somos racionais está superada cientificamente. Nos movemos por emoções fundamentalmente e usamos nossa capacidade de pensar para racionalizar nossas emoções. Primeiro decidimos o que queremos fazer, o que queremos crer. Em função disso, filtramos as mensagens, recebemos as mensagens que queremos receber. E bloqueamos as mensagens que não queremos receber, seja em nossa vida pessoal, econômica ou política”.
Castells finalizou sua fala enfatizando que a democracia não é garantia de liberdade, mas que a liberdade é garantidora da democracia. Ele citou seus estudos recentes sobre sistemas políticos no mundo, que mostram que a sociedade está em uma nova era, em que são reproduzidos uma série de mecanismos de incerteza.
“Os estudos mostram como esse fator tanto emocional quanto de crise de legitimidade institucionalexplica a eleição de Trump. Explica Brexit. Explica a ascensão da extrema direita nacionalista e quase fascista nas democracias europeias. Explica o Brasil também. O que está passando no Brasil faz parte de um processo muito mais amplo em que emoções negativas em termos de direitos humanos são majoritárias em grandes setores da população”, finaliza.
Antes da apresentação do convidado internacional, o público teve a oportunidade de ouvir o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, que destacou que as redes sociais, que nasceram democráticas, estão se tornando um espaço de ódio e de destruição de reputações. Ele também criticou o movimento de esvaziamento das instituições do país, como a OAB. Já Fernanda da Escóssia, editora da Revista Piauí, explicou que o fenômeno da desinformação não é novo, mas que foram potencializadas ao extremo com o advento e popularização das redes.
Já o diretor da FGV DAPP, Marco Aurélio Ruediger, frisou que a sociedade em rede é o epicentro da transformação observada na política, economia e sociedade no século XXI. Ele apresentou dados sobre a análise do debate público em momentos-chave da política brasileira desde o processo eleitoral do ano passado, como a eleição para a presidência do Senado, o episódio dos vazamentos de conversas de atores ligados à operação Lava-Jato e, mais recentemente, os debates sobre a reforma da previdência. O painel foi moderado pelo pesquisador da FGV DAPP, Vinícius Wu.