Em seu novo livro “O Futuro Chegou”, o sociólogo italiano Domenico de Masi defende que o Brasil oferece o melhor modelo para o futuro da sociedade. Duas entre inúmeras razões são a formação populacional mestiça e a sabedoria indígena, à qual, segundo o pesquisador, o Brasil deveria “boa parte de sua esfera inconsciente e emotiva”, adequada ao contexto natural. A sabedoria desses “povos da floresta” pôde ser constatada, na manhã desta quarta-feira, 13, quando três lideranças indígenas deram aula a mais de cem participantes do módulo “Cultura Indígena na brisa da cura” do curso de extensão e disciplina “Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais”.
Os índios Ailton Krenak, Álvaro Tukano e Benki Ashaninka revezaram-se na roda formada por estudantes de graduação, pós-graduação e comunidade externa para apresentarem a trajetória de vida de cada um e a luta em defesa das causas indígenas, que, para eles, também devem ser de toda a população. No Jardim Botânico da UFJF, na Mata do Krambeck, o trio entoou cânticos, orações e levou tinta natural de urucum para compor a palestra em meio a revoadas de maritacas.
Reconhecido internacionalmente pela aplicação do modelo de desenvolvimento sustentável na comunidade Ashaninka, no Acre, na fronteira entre Peru e Brasil, o líder Benki defendeu a indissociabilidade entre seres humanos e natureza como condição fundamental para o funcionamento harmônico do planeta. O indígena relatou ainda os esforços realizados para demarcar o território de seu povo, reflorestar mais de 21 mil hectares da área, realizar o manejo da flora e fauna e combater narcotraficantes e madeireiros.“Fomos ensinados por nossos avós a fazer o replantio de árvores se precisarmos tirar uma delas para montar uma casa ou canoa. Isso é para mantermos a existência da floresta para as próximas gerações diferentemente do que vimos acontecer por aí”, disse.
A partir de trabalhos com adolescentes, Benki fundou o Centro de Formação Aiyoreka Ãntame, no município acreano de Marechal Thaumaturgo, para difundir a filosofia indígena, valorizar a cultura local e desenvolver práticas sustentáveis. “Era para ter livros sobre a história dos povos indígenas. O que é preciso é respeitá-los, unir as energias de cada um com a sociedade e descobrir momentos oportunos. A ciência não está só na academia”, destacou.
Nascido em Minas Gerais, o ambientalista e ex-deputado federal eleito para a Assembleia Constituinte, em 1986, Ailton Krenak elogiou a oferta da disciplina na UFJF. “Nossas universidades devem ser uma importante porta de entrada para o conhecimento não sistematizado, que está nas nossas memórias, nas nossas tradições. As instituições devem ter algumas frestas para poder botar oxigênio, saúde [na produção do saber] assim como essas árvores deixam a luz passar por entre elas”. O indígena criticou a prevalência da “matriz de pensamento europeu, branco, racional, sistemático” no ensino e na pesquisa e a exclusão do conhecimento tradicional ao longo dos séculos. “Somos [os índios] da tribo das pessoas que vivem o que falam”, afirmou, recomendando ainda que o cidadão deveria se esforçar para ter uma visão integrada da realidade, não apenas restrita ao cotidiano local e imediato, sob o risco de não compreender as consequências de crimes ambientais e sociais, mesmo que localizados em terras distantes.
Representante do povo Tukano, situado no município de São Gabriel da Cachoeira, no extremo noroeste do Amazonas, Álvaro Sampaio Tukano é uma das principais vozes críticas em relação aos embargos em demarcações de terras indígenas, à Fundação Nacional do Índio (Funai) e às políticas públicas destinadas a esses povos. No encontro no Jardim Botânico, o ambientalista focou no relato sobre as dificuldades enfrentadas junto a parlamentares para estabelecer limites aos territórios indígenas e defendeu o trabalho educacionais para essa população.
As aulas dos três líderes ambientalistas, iniciadas na última segunda-feira, 11, e que se estendem até a próxima sexta-feira, 15, não interessou apenas a moradores de Juiz de Fora. A professora de Artes, no Ensino Básico, Marta Prata Soares veio de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, apenas para ouvi-los. A docente mantém interesse na cultura indígena, repassada para seus alunos em sala de aula, e fez curso a distância de Aperfeiçoamento em História e Cultura dos Povos Indígenas, oferecido pelo Centro de Educação a Distância da UFJF. “Mostro os grafismos de cada etnia para os alunos, falo sobre a pintura de urucum. Nesses encontros, a principal mensagem que fica é a de preservação”, disse.