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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Feminicídio: 'O que não se nomeia, não se discute', destaca juíza em palestra


A violência contra a mulher e o feminicídio têm raízes sociais e funcionam como uma mensagem às demais mulheres que confrontam a ideia de subordinação, destacou a juíza Adriana Mello, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), durante a palestra Feminicídio - Uma análise sociojurídica da violência contra a mulher, que aconteceu na ENSP, em 18 de setembro. Realizado em parceria com o Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública (Dihs/ENSP/Fiocruz), o evento da série Futuros do Brasil, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, foi mediado pela coordenadora do Dihs/ENSP, Maria Helena Barros. Ponto culminante da violência contra a mulher, o feminicídio deriva principalmente da assimetria de poder nas relações domésticas, explicou Adriana. "Muitas vezes, tentativas da mulher no sentido de romper com uma relação de poder desigual desencadeiam a violência, visto que o homem atua para punir e corrigir o comportamento feminino, conduzindo a mulher de volta ao lugar de subordinação historicamente estabelecido para ela", observou, destacando a diferença entre o feminicídio e outros tipos de assassinatos de mulheres. 

Confira, ao final da página, a galeria de fotos da palestra. 

"Nos casos de feminicídio, a mulher morre por ser mulher, na maioria das vezes, em âmbito doméstico, por conta do confronto, seja rompendo relacionamentos ou reivindicando a liberdade de se vestir, de agir etc. Crimes assim diferem de uma morte feminina por assalto, por exemplo, que não se enquadra como feminicídio".

Segundo a juíza, "o crime de feminicídio é um ato de comunicação, mensagens emanadas de um sujeito autor, como uma ameaça". O corpo feminino, observou Adriana, torna-se "um território demarcado pelo ato de violência; a individualidade é apagada, as vítimas não têm nome, idade, endereço". A não punição, destacou, agrava o cenário. "A não punição desses crimes revela a permissibilidade do Estado. Trata-se da retirada de um direito humano, o direito das mulheres à justiça".

Adriana apresentou dados das Nações Unidas indicando que sete em cada dez mulheres já foram ou serão violentadas em algum momento da vida. Para ela, o cenário mais preocupante, no Brasil, é o do feminicídio cometido por parceiros íntimos, vide dados do Dossiê Mulher 2017, do Instituto de Segurança Pública, que aponta que 61% das agressões contra mulheres ocorrem dentro da própria residência, e da Organização Mundial da Saúde (OMS) - 35% dos assassinatos de mulheres foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Entre as vítimas de lesão corporal, destacou, 72,5% estão na faixa etária entre 18 e 44 anos.

Para a juíza, a Lei do Feminicídio, implementada em 2015, apoia a discussão e o combate à violência. "Se o feminicídio não existisse como categoria analítica, não se conseguiriam coletar dados, implementar políticas públicas. Nomear o fenômeno dá corpo, torna-o visível, concreto", considerou, estabelecendo um paralelo com o crime do estupro coletivo, que ainda não é entendido como uma categoria. "O estupro coletivo está no imaginário da população, está nos jornais, mas não existe como categoria analítica judicial".

De qualquer forma, aponta Adriana, as mulheres ainda enfrentam dificuldades ao tentar denunciar as agressões que sofrem. "Se não denunciam, sofre a violência sem aparo do Estado. Se denunciam, vivem sob a ameaça de represália. Mesmo quando vão às delegacias, as mulheres são desencorajadas de denunciar. Perguntam: 'Você quer mesmo fazer a denúncia?', observa. "A Lei Maria da Penha não fala só em punição, trata também da prevenção da violência, com debates, palestras, nas escolas, na sociedade. Mas isso não é divulgado. Só podemos combater aquilo que conhecemos. Conhecer é poder".

*Luiza Medeiros é jornalista do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.