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sábado, 2 de julho de 2016
Intervenções Praça Getúlio Vargas
Os espaços públicos são considerados lugares de promoção de saúde, especialmente por proporcionarem vida comunitária a partir das inter-relações sócio-afetivas. As praças como referências desses espaços são centros de convivência por excelência; locais da existência humana de maior diálogo, onde os cidadãos se nutrem das vivências sensoriais a partir das emoções, da afetividade e da criatividade. Praça é sinônimo de liberdade, onde as crianças podem correr sem obstáculos, onde há o lúdico e a arte de rua, onde o coração da cidade pulsa. É ali que nos reunimos, encontramos nossos amores, nos divertimos; onde deixamos de pensar e contemplamos a vida. Foi nesse cenário de convívio social que se iniciou um dos casos mais emblemáticos de cidadania ativa da atualidade no município de Nova Friburgo/RJ, que se formou pela luta cidadã em defesa do mais significativo Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Afetivo do lugar – o CONJUNTO ARQUITETÔNICO E PAISAGÍSTICO DA PRAÇA GETÚLIO VARGAS . A paisagem inventada pelo Mestre Auguste Glaziou no Século XIX, “os conjuntos arbóreos e a fusão das copas dos Eucaliptos centenários (Eucalyptus robusta) tornam a Praça-Catedral como um marco da História do Paisagismo Brasileiro”.
Realizadas de maneira súbita, sem consentimento popular e sem a análise fitopatológica de risco, as derrubadas indiscriminadas dos eucaliptos conduzidas pelo poder público local provocaram uma onda de indignação popular, atingindo a memória afetiva da população, trazendo à tona um embate ativista acerca da violação do Patrimônio tombado e da Cidadania garantida. Diante de tantas evidências de desqualificação técnica, de práticas irregulares denunciadas, da falta de comunicação, transparência e diálogo com a sociedade; do discurso implantado “do medo” e da pressa em derrubá-las a qualquer custo; um grupo de cidadãos resolveu agir. Iniciava-se naquele momento o “MOVIMENTO ABRAÇO ÀS ÁRVORES – SOS PRAÇA GETÚLIO VARGAS” e um “Pacto coletivo em defesa das árvores, da praça, da cidade, de um estilo de vida que busca participação, diálogo, coletividade, solidariedade, e dos direitos e da vida em sociedade”.
Embasados por instrumentos da comunicação popular em rede, através de ações investigativas, contra-argumentos fundamentados e, especialmente por sincronia ideológica de intenções em defesa do local afetado, foi elucidada à proposta de requalificação. Estava exposta a grave denúncia relativa a um projeto que contraria as recomendações sobre a conservação de Jardins Históricos , e tem suas bases nos preceitos privatistas – o da GENTRIFICAÇÃO ; no qual projetos urbanísticos invasivos tiram a cidade das mãos dos seus moradores e a colocam a serviço das corporações e do capital. A quem interessaria um projeto de descaracterização baseado num falso histórico , estranhamente avalizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/RJ e pela Fundação D. João VI, onde se pretende a derrubada não apenas de cerca de setenta (70) eucaliptos centenários tombados, mas de todas as cento e oito (108) árvores que compõem a praça?
As ações sociopolíticas e as intervenções culturais, como: as participações nos conselhos, os piqueniques, as rodas de dança, as marchinhas de carnaval, as prosas ideológicas no banco da praça, as oficinas participativas dos “Mapas Falados” e as obras artísticas; sempre nos agregaram e nos fortaleceram para seguir adiante contra o crime que ocorria. Foi necessário resignificar o ato insano e fazer com que a comunidade refletisse a partir da apropriação viva daquele lugar; fazendo com que o espaço a ser defendido como público se mantivesse como “palco aberto e pulsante”. Manifestações, encontros e formações aconteceram. “Praceiros” e parceiros se envolveram profundamente com a causa; historiadores, biólogos, arquitetos, psicólogos, educadores e artistas “cultivaram” a Praça e ajudaram a fortalecer a luta do imaginário através da ação política e cultural. A cidade foi agraciada por artistas e colaboradores de relevância, locais e de fora, que proporcionaram ao público significativas reflexões a partir da arte conceitual e efêmera.
A ARTE SE VALEU PARA DESPERTAR! Tanto foi que o terreno fértil estimulou a formação de outros coletivos, como foi o caso do TRIO GLAZIOU, símbolo do movimento a partir da iniciativa profissional de jovens musicistas . A Arte também se colocou para provocar e fazer pensar. Foi assim o desfecho de incidência política relativa à obra intitulada “horta comunitária” , que de forma inusitada e surpreendente forrou de alfaces orgânicas o canteiro central completamente infértil e destruído pelos impactos das quedas dos eucaliptos. A memória relacionada à tecelagem em Nova Friburgo, a partir dos fios entrelaçados representado pelo tecido vermelho utilizado constantemente pelo movimento, trouxe o sentido relacional de tecer artisticamente o espaço sócio-afetivo . A obra “Nimbo Oxalá” ; arte efêmera formada por uma escultura de fumaça, procurou trazer a reflexão sobre o rito espiritual e energético naquele momento, a respeito da resiliência necessária. “Ondulações” ; afixada em um dos Eucaliptos da Praça, trouxe a confluência de percepções experimentadas em constantes intercâmbios com a paisagem, a cidade, as pessoas, as músicas, as poesias e os personagens literários. Bolas de tecido, fitas métricas e árvore de papel demarcaram artisticamente o espaço. A ação “Perímetro da Praça” se constituiu pela medição da área descaracterizada, fazendo uma menção aos eucaliptos cortados, e simbolicamente “guardados” em um recipiente de vidro. Bolas de tecido circularam pelo espaço; expostas em elementos que formam o conjunto paisagístico, numa interação reflexiva entre arte-monumento; e a árvore de papel colada ao fundo do chafariz e mergulhada por um longo tempo sob as águas, expôs de forma submersa e subentendida a seu significado crítico.
Assim, dessa forma, hoje estamos reunidos para comemorar e mostrar um pouco de nossa expressão cultural a partir das obras de intervenções artísticas na Galeria KM7; um pouco do que se viu exposto na Praça Getúlio Vargas nos anos de 2015 e 2016. Nessa trajetória foi possível exercitar o ser coletivo, defender o que é nosso e resignificar as perdas através de abordagens sincréticas multiculturais. Foi preciso com ativismo e coragem demonstrar que o atual modelo de governança está na contramão de uma gestão participativa e no risco de tomadas de decisão unilaterais que seguem a lógica da concessão privativa. É preciso desconstruir modelos excludentes, autoritários, e fazer valer a Cidadania vivida, influenciando nas tomadas de decisão, para que elas sejam efetivamente públicas, participativas e assertivas. A Praça Pública e o seu uso coletivo merecem ao invés de um projeto empresarial invasivo e autoritário, uma prática de conservação restaurativa contínua e, um processo sócio-educativo que fomente o exercício democrático. Cultivemos sempre a “PRAÇA LUGAR” sob o ponto de vista do conjunto orgânico: histórico, político, artístico e afetivo; espaço este que se constitui há décadas como símbolo identitário de uma comunidade sociocultural.