Há oito anos, a Fundação Oswaldo Cruz, por intermédio da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, e a Petrobras firmaram acordo de cooperação para monitorar as principais causas de adoecimento, morte e segurança pública nos municípios do entorno do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Aquele que inicialmente seria um convênio para apontar os indicadores epidemiológicos a serem monitorados no decorrer das obras, proporcionou a estruturação de um Laboratório de Monitoramento Epidemiológico de Grandes Empreendimentos (LabMep/ENSP) na instituição, coordenado pelo pesquisador Luciano Toledo, e que trouxe consigo ações de cooperação, ensino e inovação tecnológica na Região Leste do Estado do Rio de Janeiro.
Na atualidade, os avanços conquistados pelo LabMep nos municípios daquela região estão sob risco, dada a crise econômica atravessada pelo país e os problemas de gestão relacionados à Petrobras - principalmente pela redução dos investimentos e dos impactos que essa ação pode trazer para a área de saúde. “Nesses oito anos de monitoramento do Comperj, exceto alguns problemas pontuais relacionados às doenças respiratórias decorrentes das atividades de terraplanagem, não identificamos qualquer indicador que apontasse agravamento da situação de saúde ocasionado pelas obras. Agora, não podemos prever o que acontecerá a partir da redução dos investimentos da Petrobras. Mesmo diante desta situação, a ENSP manterá, dentro de suas possiblidades orçamentárias, os compromissos anteriormente assumidos junto ao Sistema de Saúde”, admitiu Luciano Toledo.
Os benefícios dos investimentos realizado pela ENSP/Fiocruz, por meio de profícuas parcerias com as instituições locais, em especial no município de Itaboraí, onde fica situado o Complexo, foram imensos e alavancaram ações de desenvolvimento científico e tecnológico na Instituição. Na área do entorno do Comperj, as atividades executadas nos últimos anos contribuíram significativamente para a melhoria da capacitação de profissionais do SUS em nível local/regional, repasse de tecnologias e metodologias para promoção da saúde, prevenção e controle de doenças
No quesito educação, além de estruturar duas turmas de mestrado profissional em Vigilância em Saúde (uma delas já concluída), está em andamento o curso de especialização em Gestão da Atenção Básica e Promoção do Desenvolvimento Social. Ele é dirigido para a capacitação de profissionais de duas áreas críticas dos municípios envolvidos no empreendimentos, principalmente em decorrência do desemprego e desaceleração das obras. “O curso surgiu das demandas e carências observadas pelo LabMep na região. Além de envolver docentes de vários departamentos da ENSP (Ciências Sociais, Planejamento, Endemias, Centro de Saúde, EAD) e a UFRJ, traz um caráter inovador justamente por agregar duas áreas com objetos tão próximos, mas que frequentemente atuam de modo isolado: a da saúde e da promoção do desenvolvimento social. Com esse curso, as possiblidades de integração desses dois campos são muito maiores”, afirmou Karen Gonçalves, coordenadora-executiva do curso junto com a pesquisadora Bianca Borges.
Na opinião do pesquisador Luciano Toledo, a ideia é conformar uma rede de profissionais locais atuantes nas áreas de vigilância em saúde e promoção do desenvolvimento social, tendo em vista a possibilidade de potencializar não só o conhecimento absorvido durante o curso, mas compartilhar e equacionar, em conjunto, os principais problemas que acometem a região. “A iniciativa do curso possibilita que técnicos de municípios diferentes resolvam problemas em sincronia. Integramos profissionais de dois programas estratégicos do governo federal (Programa Bolsa Família e o Programa Saúde da Família), que atuam em situações de desemprego, drogas e violência. Eles agora se conhecem, não são meramente um número. Há integração da rede”, disse.
A turma é composta de 29 alunos e os principais temas debatidos em sala de aula são questões de grande relevância para a população regional, tais como a violência contra a mulher e o idoso, o consumo de rogas na adolescência e as outras formas de violência. Mesmo com a troca de gestores e a incerteza do prosseguimento das obras, os profissionais seguem focados e comprometidos com o curso. “A situação de incerteza é grande, e a sala de aula se tornou um local de desabafo dos alunos. Mesmo com todas as demissões e trocas na gestão dos municípios, tivemos apenas duas desistências. Eles se sentem honrados em serem alunos da ENSP. A presença da Fiocruz no local é motivo de orgulho para muitos”, disse Karen.
Mesmo com a possibilidade de a Petrobras não renovar o contrato com a ENSP para o monitoramento das principais causas de morte, adoecimento e segurança pública nos quatro municípios do entorno do Comperj, a Escola manterá o seu compromisso com a conclusão desse Curso e, consequentemente, com a formação dos alunos.
“Nos anos mais recentes, desde a descoberta do Pré-Sal e o fortalecimento da Petrobras no contexto nacional, a empresa passou a ser um dos principais alavancadores do desenvolvimento cientifico e tecnológico no estado do Rio de Janeiro. A ENSP teve uma visão estratégica na conformação da parceria com essa Empresa; na realização desse curso. O tempo mostrará a importância dessa parceria: não só especificamente para a realidade do território local, mas pelas possibilidades inovadoras que se abrem na dimensão do território nacional e da utilização dos nossos marcos referenciais, conteúdos programáticos, concepção teórico-metodológica do curso. Apesar do término do contrato, a ENSP percebe a importância de manter suas atividades estratégicas na Região, especificamente neste momento de crise”.