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segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Saúde do trabalhador: é preciso resistir à crise e defender os interesses dos profissionais

Três ícones da saúde do trabalhador no país integraram a mesa que debateu o tema durante a semana de comemorações dos 62 anos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca: Anamaria Tambellini, Paulo Roberto Gutierrez e Luiz Carlos Fadel. Os convidados da mesa-redonda1ª Conferência de Saúde do Trabalhador: 30 anos depois fizeram um grande apanhado histórico do que viveram naquela época, quais eram seus sentimentos em relação à política do país e relataram, ainda, o quanto lutaram para conquistar o que o país tem, atualmente, em termos de lei, organização, vigilância e equipamentos no campo da saúde do trabalhador. Na ocasião, o diretor da ENSP, Hermano Castro, fez uma homenagem à Anamaria Tambellini por toda sua história de luta e atuação no campo.
 
“A realização da 1º Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador foi uma grande vitória. Evoluímos, mas é preciso estar atento, pois estamos vivendo uma profunda crise econômica; o mundo inteiro está em estado de agressividade brutal, e o capitalismo segue manipulando mudanças nas regras e direitos conquistados pelos trabalhadores. Nem nos meus pensamentos mais caóticos, imaginei que passaríamos por situações iguais às já vividas no século XIX e anunciadas recentemente pelo novo presidente do país. Isso irá configurar uma situação de perda em todos os sentidos para a classe trabalhadora”, advertiu Ana, uma das organizadoras da 1º CNST. 
 
Segundo ela, as discussões e ações na área da saúde do trabalhador apareceram de forma mais decisiva no eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Para Anamaria, esse campo teve início em sua vida por volta de 1973, quando defendeu uma tese sobre acidente de trânsito que tinha base na epidemiologia. “Na época, eu estava interessada em alargar a compreensão que a epidemiologia me dava. Depois disso, entrei para o mestrado em sociologia na Unicamp e comecei a pensar em todas as questões sobre o trabalho, a saúde, a qualidade de vida e a determinação dos fatos da doença de um trabalhador. Acidente não é uma doença, mas, sim, uma forma de lesão, que pode matar um indivíduo ou deixar muitas consequências em sua vida, inclusive ser o pano de fundo para algumas doenças”, explicou ela. 
 
Anamaria comentou que a força do capitalismo para manter suas regalias sempre foi forte e selvagem, mas a construção do campo da saúde do trabalhador foi uma lição grande para todos. “A realização da 1º CNST nasceu de uma moção elaborada na 8º Conferência Nacional de Saúde, e a nossa ideia foi seguir o mesmo espírito democrático adotado na 8º CNS. Convidamos representações de vários setores da sociedade civil, estado, movimento sindical e também do grupo de empregadores. Esse último, vale ressaltar, não teve interesse em participar”, relembrou. 
 
 O pesquisador da ENSP Luiz Carlos Fadel iniciou sua fala destacando a importância dessa discussão nos tempos atuais e homenageou Ana Tambellini. Segundo Fadel, ela foi a responsável pelo pensamento fundante da saúde do trabalhador no Brasil. O palestrante trouxe, ainda, outros nomes importantes que muito contribuíram para a história do campo, como Marcilia Medrado Faria, Maria Helena Barros, Luiz Claudio Meirelles, Wanda D’Acri, Luis Augusto Cassanha Galvão, Cristina Possas, Paulo Gutierrez, Arnaldo Lassance, Carlos Minayo, Clarisse Gato, Jorge Machado, Marcelo Firpo, Maria Helena Mendonça, Ziadir Coutinho, Diogo Nogueira, David Capistrano, Ary Miranda e muitos outros.
 
Fadel fez uma breve apresentação sobre a 1º CNST e descreveu como ela nasceu. Segundo ele, antes do processo da constituinte no país, toda a questão da saúde do trabalhador era feita pelo Ministério do Trabalho ou pelo Ministério da Previdência. “Saúde Pública não se metia com essa questão. Portanto, a 8º CNS teve a sensibilidade de convocar uma conferência específica sobre saúde do trabalhador pela razão óbvia de que o trabalho – como categoria central da vida das pessoas – não poderia, do ponto de vista da sua relação com a saúde, ficar de fora da saúde pública e coletiva”, defendeu. 
 
O terceiro e último palestrante da mesa, Paulo Roberto Gutierrez, contou como sua história se cruzou com a questão da saúde do trabalhador e sobre o início da sua atuação na área, ocorrido na cidade de Londrina, Paraná, de onde é oriundo. Gutierrez lembrou dos trabalhos que exerceu até chegar à função de professor universitário e ressaltou o fato de a academia sempre ter sido muito resistente ao campo. “A saúde coletiva, dentro do contexto de formação médica, não era quase nada. E a própria saúde do trabalhador, dentro da área da saúde coletiva, também sempre teve suas restrições”, comentou ele. 
 
Ainda segundo Gutierrez, apesar de percebermos grande avanço e evolução na organização do serviço, também devemos reconhecer que o modelo assistencial médico-paciente não mudou, ainda é hegemônico, e isso abarca inclusive a própria formação dos profissionais de saúde. Finalizando a mesa-redonda, o diretor da ENSP fez uma homenagem à Anamaria Tambellini. 
 
Segundo Castro, sua contribuição à saúde do trabalhador foi de extrema relevância para o país. Ele agradeceu seus ensinamentos e tudo que Anamaria fez pela ENSP e a Fiocruz. “Esta é uma singela homenagem a quem nos ajudou a construir uma saúde pública digna para o povo brasileiro”. A coordenadora do Cesteh/ENSP, Kátia Reis, destacou o fato de o Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP e seus integrantes terem ligação visceral, orgânica e militante com a saúde do trabalhador. “Quando analisamos tudo que foi feito, conseguimos pensar o que foi positivo e negativo nessa caminhada. E o cenário adverso que viveremos com o novo governo nos impõe cada vez mais como um campo de resistência”, disse ela.