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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Atividade de empresas mineradoras e petroleiras preocupam indígenas no Amazonas

População do Vale do Javari teme que situação ocorrida na década de 80 se repita com a chegada de doenças e lixo, principalmente em indígenas que vivem isolados

'Os indígenas têm manifestado repúdio quanto à exploração de petróleo próximo às suas terras', diz coordenador da Funai na região (Arquivo AC/ Antônio Ximenes )
Indígenas que habitam a região do Vale do Javari, Oeste do Amazonas, temem que as atividades de empresas mineradoras e petroleiras desenvolvidas próximas ao rio Javari, no lado peruano, causem danos ambientais no lado brasileiro nos próximos dois anos. 
O motivo de tanto alarde é que o Governo Federal pretende tirar do papel o plano de exploração de um imenso bloco de 19 mil km², que vai do Norte do Acre ao Sul do Amazonas, situado entre unidades de conservação e as terras indígenas do Javari.
O objetivo da exploração, de acordo com denúncias de lideranças indígenas, é abrir áreas para atividades privadas de gás de xisto, o que preocupa ambientalistas e indígenas da região. Isso porque a atividade requer a introdução do método “fracking” ou fraturamento hidráulico para a extração. 
Considerado um dos processos de produção de energia mais agressivos ambientalmente, segundo especialistas, esse tipo de exploração está proibido em vários países do mundo, pois a atividade consiste no uso de uma fórmula contendo componentes químicos (alguns deles radioativos) que são injetados no subsolo, sob a pressão de 5 mil atmosferas para fazer o metano se desprender do solo. 
Antes da injeção desse coquetel químico são realizadas violentas explosões no subsolo para quebrar as rochas sedimentares. Tais explosões, segundo depoimento do coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno Pereira, são constantes e ouvidas a quilômetros de distância, causando receio entre os indígenas. 
“Em nenhum momento os indígenas foram procurados sobre esse tipo de atividade exercida, eles não tiveram acesso às informações sobre os empreendimentos e não foram consultados sobre os possíveis impactos”, afirma Pereira.
Por e-mail, um dos líderes da Comunidade Nativa Matsés (CNM), no Peru, Angel Dunú Maya, respondeu ao A CRÍTICA, que os impactos das atividades petroleiras e de mineradoras desenvolvidas em áreas próximas as comunidades indígenas consistem nas espoliações de terras tradicionalmente ocupadas, poluição da atmosfera e dos cursos d’água, emanações de gases e vapores nocivos, além de incêndios e explosões. 
Os Matsés peruanos entendem que os impactos que este tipo de exploração trazem afetam a integridade territorial e o bem-estar das comunidades indígenas. Em resposta, a Pacific Stratus, uma das empresas que atua na exploração de petróleo, admite que, no passado, muitas petrolíferas foram causadores da poluição, mas afirmou que, agora, a atividade petrolífera está melhor regulada pelas leis e vigiada pelas organizações internacionais.
Riscos
As perfurações e as explosões do poço podem causar contaminação dos lençóis subterrâneos de água, segundo especialistas que debateram sobre o assunto durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizado em julho deste ano, em Rio Branco (AC).
A produção de gás xisto exige grandes quantidades de água para injetar nos poços. A água contaminada volta do poço e pode vazar, poluindo os rios da região. “Esse tipo de exploração pode causar impactos nas comunidades que vivem próximas às zonas de exploração, como contaminação da água, peixes, entre outros”, ressaltou Bianca Dieile, da Fundação Oswaldo Cruz  (Fiocruz), mestre em Engenharia Hidráulica e Saneamento. 
Por outro lado, o palestrante Luiz Fernando Scheibe, doutor em Ciências (Mineralogia e Petrologia), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ressalta que o Brasil ainda não tem experiência na exploração de gás de xisto, apenas de gás natural e petróleo. Esse tipo de exploração está, segundo os pesquisadores, em fase de estudo no Brasil. 
Situação emblemática
Para contornar a situação emblemática na fronteira entre Brasil e Peru, na região do Vale do Javari, diante de uma nova investida das mineradoras nas comunidades indígenas, os matsés, bem como as demais etnias indígenas, pedem apoio ao governo brasileiro para que o mesmo dialogue com as autoridades peruanas.
O pedido ganhou reforço durante a “5ª Reunião Binacional Matsés Peru-Brasil”, no Distrito de Yaquerana, no Peru. Na ocasião, as lideranças indígenas reivindicam no documento, o qual A CRÍTICA teve acesso, que a Marinha de Guerra do Peru, o Exército Brasileiro, a Polícia Federal, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Governo Regional de Loreto e o Serviço Nacional de Áreas Naturales Protegidas (Sernanp), realizem ações de fiscalização e monitoramento do rio Jaquirana.
As lideranças demandam ainda que se divulguem os estudos sobre a localização de indígenas em isolamento voluntário a serem realizados pela Funai e a organização indígena Aidesep (Associação Interétnica da Selva Peruana). 
O chefe da Comunidade Nativa Matsés (Perú), Daniel Vela Collantes, disse que será movido um processo internacional aos responsáveis pela exploração perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com o apoio da Aidesep. “Exigimos a imediata interrupção de toda a atividade petroleira, por ser uma ameaça que torna vulnerável as populações indígenas”, diz um trecho do documento, assinado por Daniel Collantes.
Preocupação
O coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Vale do Javari, Bruno Pereira, ressalta que uma das preocupações apontada pelos indígenas é quanto às constantes explosões de bombas nos pontos de exploração. As informações repassadas pelos indígenas à Funai dão conta que as atividades das mineradoras fazem parte da pesquisa com fins de exploração de gás xisto.
Para Bruno, caso o projeto de exploração venha a ser implementado, poderá trazer impacto ao solo brasileiro. “Os indígenas têm manifestado repúdio quanto à exploração de petróleo próximo às suas terras, principalmente o povoado matsés, que ocupam os dois lados da fronteira (Peru e Brasil)”, diz.
De acordo com coordenador da Funai, Bruno Pereira, as áreas indígenas, tanto do lado peruano, quanto do lado brasileiro, são áreas ocupadas por índios isolados, cuja Funai ainda não tem referência.
O vice-presidente da Organização Geral Mayoruna (OGM) no Brasil, Raimundo Mean Mayoruna, destoou que a reunião feita entre as lideranças indígenas de ambos países é uma estratégia para que a comunidade indígena não venha a ser prejudicada.
Opinião
"Os matsés são chamados no Brasil de mayorunas. Separados por uma fronteira ‘imaginária’, criada há mais de um século e meio,  sempre mantiveram um elo emanado em  manter suas tradições culturais. Desta vez, diferentemente das décadas passadas, a luta  dos índios fronteiriços auferiu apoio não só das demais etnias que habitam aquela região, mas de especialistas e ambientalistas, o que pode possibilitar numa investida maior na defesa das terras indígenas, bem como, a ascendência   de novas pesquisas e mecanismos, que propiciem um bem maior para a Cultura e o Progresso"