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quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Vigilância e promoção como estratégias de redução de vulnerabilidades

A contribuição da Fundação Oswaldo Cruz no monitoramento dos grandes empreendimentos do país esteve na pauta da programação de aniversário dos 62 anos da ENSP. Os pesquisadores Jussara Ângelo, Luciano Toledo e Paulo Sabroza, do Laboratório de Monitoramento Epidemiológicos de Grandes Empreendimentos (LabMep), apresentaram as transformações decorrentes da implantação dessas grandes construções, além de citar casos específicos, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e outras obras nas diversas regiões do país. Segundo eles, as maiores transformações ocorrem nas áreas urbanas dos municípios que oferecem suporte logístico para o empreendimento. Antes das exposições, a vice-diretora de Pesquisa e Inovação, Sheila Mendonça, apresentou o Prêmio Adauto de Iniciação Científica de Saúde Coletiva, uma homenagem à rica trajetória do pesquisador falecido em 2015, e que premiará o aluno que obtiver melhor desempenho na Reunião Anual de Iniciação Científica.



"O prêmio surge da necessidade de incentivar essa área de extrema importância na instituição, além de trazer o nome de uma pessoa que foi muito dedicada à formação do estudante de iniciação científica. Adauto recebeu em seu laboratório alunos de graduação, de ensino médio e sempre foi um idealista do processo de formação de futuros cientistas. Lançamos essa iniciativa hoje e, daqui a um ano, faremos a primeira premiação", anunciou Sheila, companheira de Adauto nos estudos de paleoparasitologia.
 
A vocação da Fiocruz na análise e acompanhamento de projetos de grande interesse nacional 
 
Após a comovente homenagem, o assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Guilherme Franco Netto, iniciou a mesa do segundo dia de celebrações. Primeira a se apresentar, a pesquisadora Jussara Rafael Ângelo fez questão de conceituar o chamado ‘grande empreendimento’: "Trata-se de todo empreendimento cujo capital investido no sistema de produção seja capaz de atuar como vetor de reordenamento do território, ocasionando impactos nas condições de vida e na saúde da população."
 
Com base na definição que norteou sua apresentação, a pesquisadora do LabMep relembrou as obras promovidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas áreas de infraestrutura logística, energética e social e urbana. "Durante todos esses anos, o PAC foi um grande investimento público como motor de crescimento para a economia do país e contribuiu para que não sentíssemos a grande crise mundial de 2008."
 
Os impactos decorrentes dos grandes empreendimentos, conforme apresentou Jussara, serão diferentes dependendo do tipo de empreendimento, da quantidade de capital investido e do número de mão de obra mobilizada para a execução do empreendimento, embora as maiores transformações tenham ocorrido nas áreas urbanas dos municípios que dão suporte logístico para o empreendimento. "É justamente nessa localidade que haverá expansão da área urbana e crescimento populacional; especulações imobiliárias; construções de condomínios residenciais de alto padrão; além da oferta de novos serviços (shoppings, universidades particulares), mas é importante ressaltar que esse crescimento urbano não é acompanhado de estrutura urbana". Outro dado apresentado revela que os impactos na saúde são maiores durante a construção do empreendimento, no momento da acelerada transferência de capital e da mobilização da mão de obra, quando ocorre uma reorganização do território.
 
A respeito da contribuição da ENSP nas análises das condições de vida e saúde em área de influência de grandes empreendimentos, Jussara, que recebeu o Prêmio Jovem Pesquisador, enfatizou a necessidade de a instituição questionar os problemas de saúde que são atualmente monitorados em áreas de influência de grandes empreendimentos, além de promover diálogo com a sociedade civil, desenvolver novas tecnologias, formação de recursos humanos e a necessidade de dar suporte aos movimentos sociais no início, no decorrer e na conclusão das obras.

 
A vocação da Fiocruz para lidar com o acompanhamentos dos projetos de grande interesse nacional se confunde com sua própria história, conforme revelou o coordenador do LabMep/ENSP, Luciano Toledo. Ele citou a Revolta da Vacina, em 1904, logo após a ampla reforma urbana promovida por Francisco Pereira Passos no Rio de Janeiro, como um marco histórico dessa atuação. Toledo citou o movimento da Ciência a Caminho da Roça, também no início do século passado, para apontar outra iniciativa mais recente, da década de 1980, que visava promover o diagnóstico de três hidrelétricas na região do Médio Paraíba, na divisão do Estado de Minas Gerais com o Rio de Janeiro.
 
“Preocupados com as relações entre saúde e ambiente, eu e Paulo Sabroza observamos a importância de promover o monitoramento do impacto da construção desses grandes empreendimentos na saúde das populações. Quando dizemos monitorar, falamos em acompanhar algo ou alguma coisa e, por sermos da área da saúde, nossa atuação está voltada para as condições de saúde dessas áreas dos grandes empreendimentos. Nossa atuação mais recente, na região do Médio Paraíba, fez com que percebecemos a importância da relação entre saúde e ambiente como fatores reguladores das condições de saúde”, admitiu.
 
LabMEP: uma referência na análise do território 
 
O pesquisador falou sobre sua trajetória na implementação da Fiocruz Amazonas, ocasião em que foi diretor da Unidade, e, logo em seguida, descreveu o contato da Petrobras a fim de promover o diagnóstico da situação de saúde da área de abrangência do Comperj. “A abrangência da atuação do LabMep no Comperj possibilitou a construção de Programa de Desenvolvimento Científico da Fiocruz naquela região. Fizemos um monitoramento durante oito anos, o que nos possibilitou a implantação de cursos de capacitação, a realização de duas turmas de mestrado, criação de materiais educativos, nas áreas de cooperação, ensino, desenvolvimento e inovação tecnológica em saúde”. Já no fim de sua apresentação, Luciano promoveu o lançamento de um espaço no Portal ENSP que disponibiliza todos os produtos desenvolvidos pelo Laboratório para download. Entre os materiais estão os relatórios anuais de monitoramento do Comperj, uma edição do livro de monitoramento sobre a Transposição das Águas do Rio São Francisco e os Cadernos de Monitoramento para profissionais da Atenção Básica.
 
Os resultados sobre o Plano de Monitoramento desenvolvido no Comperj foram apresentados pelo pesquisador Paulo Sabroza, que frisou: “é da natureza do processo capitalista produzir desigualdades. No meu campo de atuação, o da vigilância, lidamos com um processo que por sua natureza produz vulnerabilidade. Temos é que lidar com a vigilância e a promoção como duas estratégias de redução de vulnerabilidades, além de aumentar a resiliência daqueles grupos mais suscetíveis”.
 
No tocante às condições de saúde do entorno do Comperj, não se trata de uma região em condição de miséria, mas uma localidade com falta de investimento público. “Se você considerar os indicadores renda e escolaridade, observará que não há condição de miséria; os indicadores de saúde apontam isso.”
 
Ao comentar a evolução do padrão da mortalidade na área de influência do Comperj (1980 – 2010), Sabroza afirmou que, se os indicadores clássicos de mortalidade forem levados em consideração, fica claro que a transição epidemiológica da população já havia sido feita na época da Reforma Sanitária, e exemplificou.
 
“A mortalidade por doenças infecciosas, por exemplo, estava em 10% na década de 1980. Já havia caído de 40%, em 1930, para esses 10% na segunda periferia do estado (São Gonçalo e Itaboraí). As principais causas de morte passaram a ser as doenças do aparelho circulatório. Observem que o que mudou de 1980 a 2000 foi o aumento das neoplasias. Para nossa surpresa, as causas externas (violência) não estão aumentando. Isso é uma invenção da mídia. A violência era extremamente alta na década de 1970 e 1980. São altas aqui, principalmente em comparação com outros locais, mas, em termos de mortalidade, não estão crescendo”, avaliou. 
 
Sabroza disse ter orgulho daquilo que chamou de “O efeito SUS”, que implicou na grande redução da mortalidade em crianças com menos de 5 anos de 1980 pra cá. “As pessoas foram morrer com mais de 60 anos. Discutimos muito a qualidade do nascimento nos últimos anos. O parto deve ser sem dor e sem sofrimento, de forma natural. E teremos que discutir a qualidade da morte futuramente”, previu,
 
Outro dado que desafia os epidemiologistas, segundo ele, refere-se às mortes por causas específicas. “A queda por doenças do aparelho circulatório na periferia demonstra que estamos fazendo a segunda transição epidemiológica, que é a queda da mortalidade por causas preveníveis, que chamávamos de crônicas. Há redução da mortalidade de doenças do aparelho circulatório.” Dentre outros dados, Paulo Sabroza apontou um novo desafio para a proposta de vigilância de base territorial e que vem atuando no momento: o monitoramento das condições de vida e saúde em assentamentos agrícolas na região extremo sul da Bahia.