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quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Visitar o passado para repensar o futuro da saúde pública brasileira

As mesas realizadas na terça-feira (13/9), segundo dia de comemorações da semana de aniversário dos 62 anos da ENSP, possibilitaram aos participantes não só uma revisita ao passado, mas também a possibilidade de analisar criticamente as ações de saúde do presente e projetar cenários futuros nesse campo. A primeira atividade do dia promoveu uma contextualização política e a reflexão crítica acerca da 8ª Conferência Nacional de Saúde; enquanto, na parte da tarde, pesquisadores da ENSP destacaram a vocação da Fiocruz na análise e acompanhamento de projetos de grande interesse nacional desde o início de sua trajetória, bem como os impactos dessas iniciativas na saúde das populações do entorno. 

"A história é feita para ser revisitada e reconstruir o futuro. Ter um olhar crítico sobre a história e ouvir depoimentos que não constam em nosso conteúdo bibliográfico é de extrema riqueza", admitiu o professor da Universidade Federal da Bahia e delegado, com direito a voto, na 8ª CNS, Pedro Prata.



 
A mesa das 9 horas, intitulada Os desafios permanentes da 8ª CNS, foi coordenada pelo diretor da ENSP, Hermano Castro, e teve a participação do pesquisador Eduardo Stotz, do Departamento de Endemias, do professor Pedro Prata, da Universidade Federal da Bahia, e do professor aposentado da ENSP Eduardo Costa. Ao iniciar, Hermano destacou a riqueza da atividade, em especial pela possibilidade de ouvir depoimentos que contextualizariam as forças políticas daquela época e conhecer os bastidores dos debates e votações da "Oitava".
 
Stotz, que chegara à ENSP no segundo semestre de 1985, às vésperas da 8ª Conferência Nacional de Saúde, salientou o fato de a CNS ter expressado uma síntese política das contradições de classes que o Brasil vivia. “O golpe militar foi um golpe de classe, da burguesia, contra a classe trabalhadora, com o objetivo de eliminar politicamente a classe operária do cenário político. E foi um golpe bem-sucedido. Em 1985, a ditadura não foi derrubada; ela acabou. E o processo de redemocratização foi controlado, como um modelo de democracia burguesa que deixou o legado que nós assistimos até hoje”, relembrou.
 
Na ocasião da “Oitava”, o pesquisador admitiu que o Partido Comunista Brasileiro, responsável pela condução do Movimento da Reforma Sanitária, fora dividido em duas correntes. “Naquele momento da Conferência, havia um confronto político dentro da esquerda. E isso trazia desafios. O principal, para fim da minha análise, consiste em entender que a “Oitava” e o próprio Movimento da Reforma Sanitária careciam de um apoio político fundamental. Diferentemente do ocorreu na Itália, o movimento da Reforma Sanitária não contou, no Brasil, com apoio do movimento da classe operária. E Arouca identificou esse afastamento com o termo: o fantasma da classe ‘ausente’.”
 
Segundo as palavras do palestrante, a compreensão da luta pelo direto à saúde tem que ser entendida como uma luta da transformação da sociedade. Desse modo, a saúde deve ser considerada um processo de transformação em conjunto. “Se olharmos para o futuro e pensarmos qual será o caminho da luta, temos que pensar que, 30 anos após a 8ª, há um balanço a ser feito, e possuímos elementos suficientes para isso, no sentido de indicar que luta pelo direito social à saúde tem que prosseguir. Mas a direção dessa luta tem que considerar o que foi dito aqui: que essas forças se dirijam ao movimento da classe operária; caso contrário, repetiremos os mesmos erros.”

Encerramento de um ciclo
 
Em uma rica exposição com vídeos, fotos, imagens e documentos da 8ª CNS, o professor Pedro Prata, delegado com direito a voto na 8ª, expôs parte dos bastidores das votações na conferência mencionando os principais atores do movimento da Reforma Sanitária e as diferenças de agenda na histórica conferência.
 
Ele citou Cebes, Abrasco, Fiocruz, o movimento dos trabalhadores da saúde, partidos políticos e os governos estaduais pós 1983 como atores que propuseram alternativas de sistemas de saúde no Brasil. Entretanto, a experiência desses sanitaristas, na gestão da saúde pública, no momento em que os governos estaduais já tinham responsabilidade imediata sobre o campo, e a necessidade de alguns em utilizar instrumentos legais para a reforma, sem adiar para a constituinte, configurou uma “diferença na agenda da 8ª CNS”, segundo ele. 
 
Prata destacou, ainda, a atuação do grupo de sanitaristas da academia, composto de pesquisadores do Cebes e da Fiocruz, que enxergavam a “Oitava” essencialmente como uma pré-constituinte, visando garantir a saúde na forma de um direito de todos e dever do Estado. “O desejo era fortalecer a visão de saúde não apenas como algo setorial ou médico, mas como condição de vida digna”. Em relação aos desafios, deixou uma mensagem ao público:
 
“O grande desafio é revisitar o passado para ver como se pode construir o futuro. Nosso grande dilema é determinar se a saúde é um serviço como direito do cidadão (o que é concebido pelo SUS) ou se é uma mercadoria como direito do consumidor (que vem ocorrendo com a expansão dos seguros de saúde). A concepção de saúde como cidadania são está incorporada culturalmente pelas pessoas. A cultura de hoje está vinculada ao mercado, não ao direito. Devemos pensar em quais são as alternativas para darmos esse salto de qualidade ou resgatar essa concepção do direito à saúde.”
 
Eduardo Costa, professor aposentado da ENSP e aluno da primeira turma de mestrado da instituição, fez questão de ressaltar a importância de divergir, respeitar diferentes visões em relação a estruturas coesas, principalmente na saúde. Ele, que exerceu cargo de secretário no primeiro governo Brizola, disse que o movimento que carregava estava imbuído da autoridade das urnas, indo às ruas, às casas da população, exercendo um contato direto. “Descobrimos que saúde não era o mais importante para a população. Eles queriam escolas perto de suas casas, acesso a outros bens. O nosso discurso corporativo da saude é equivocado. Nos centramos na saúde, e essa é a desgraça que vivemos.”


Na opinião de Costa, as três décadas da “Oitava” fazem parte de um ciclo que está se fechando na saúde, mas os mesmos erros não podem ser cometidos no futuro. “De fato, não corremos para as outras áreas. Não procuramos resolver os problemas das outras áreas de governo. Somos uma estrutura que se encascou dentro da sociedade. Transformamos nossos participantes como se fosse a voz da sociedade civil e uma estrutura agregada a nós: somos os mesmos de sempre. O novo ciclo terá que rever, inclusive, nossas atitudes para chegarmos em um contato mais verdadeiro, seja com a classe operária ou os demais setores. Sempre desejamos que eles estivessem juntos de nós, mas nós devemos estar com os outros setores.”