O lançamento do Núcleo de Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde (NEEPES) na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, promoveu o encontro de acadêmicos, moradores do território, indígenas, estudantes, ambientalistas, lideranças de movimentos populares, poetas, artistas e as comidas agroecológicas do Terrapia. De acordo com o coordenador do Núcleo, Marcelo Firpo, o lançamento do NEEPES é o compromisso com uma agenda de pesquisa e produção de conhecimento que articule linguagens artísticas, acadêmicas e populares em torno das lutas por saúde territoriais, dignidade e saúde, tanto no campo como na cidade.
O encontro, que ocorreu ao longo de três dias, colaborou com a articulação entre diferentes lideranças de vários cantos do Brasil; entre elas e os pesquisadores de diversas unidades da Fiocruz e de outras instituições, como a UFRJ. Mesmo com toda a discussão política, econômica e de costumes sobre o contexto atual do país, verificou-se a leveza ao coadunar diversos sons, danças, registros e oralidades ancestrais e modernas, como se nos abraçassem e nos fizessem esquecer o que vem pela frente ou está por trás ou por baixo da “nova era”.
Segundo Firpo, as participações artístico-musicais de rappers, repentistas e indígenas reafirmam o compromisso do Neepes com as mais diversas formas e espaços de saberes. De acordo com Firpo, os relatos dos grupos de trabalho trouxeram o compromisso ético com o outro e, muitas vezes, o sofrimento causado pelas mais variadas formas de opressão e violência, mas, também, trouxeram poesia, música, dança, artes plásticas e alegria. “As questões transmitidas pela estética artístico-poética-musical tornou a compreensão de problemas de pesquisa e questões científicas mais acessíveis a todos os presentes”, afirmou.
Para o diretor da ENSP/Fiocruz, Hermano Castro, a criação do Neepes é essencial no cenário atual – em que os retrocessos vêm se avolumando –, posto que é necessário um lugar onde se discuta a questão não só das ecologias, da epistemologias, mas também a promoção emancipatória. “Isso é fundamental, porque a academia está muito afastada da sociedade. Nós não conseguimos dialogar com a maioria da população. Não é à toa que o resultado eleitoral apareceu dessa forma, porque há uma certa barreira nessa interlocução com a sociedade”, constatou.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade destacou a importância da fundação do núcleo, tendo como tema central a discussão do compartilhamento de saberes, de práticas e de experiências. E ressaltou, também, o desafio que está posto neste momento “de preservar e conquistar direitos e de denunciar a violência existente no campo e na cidade. Nosso país é campeão em homicídio de ativistas e defensores do meio ambiente”. Além disso, lembrou dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da necessidade de não esquecer os compromissos do Estado com esses princípios.
O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (VVPAAPS), Marco Menezes, do mesmo modo destacou os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a necessidade de a instituição atuar na defesa dos povos do campo, das águas, das florestas, das favelas, das periferias, das cidades como portadores de direitos e de conhecimento. Sobre o Neepes, Marco Menezes realçou a contribuição que o núcleo pode trazer para a instituição ao propor o diálogo com a sociedade, ao mesmo tempo que “nos coloca um desafio para a gestão da Fiocruz: pensar uma nova forma de ciência, em que toda a sociedade esteja envolvida, especialmente todos os grupos e toda sua amplitude e diversidade social.”
De acordo com o chefe de Gabinete da Presidência, Valcler Rangel, esse núcleo se torna ainda mais importante nesse contexto, porque a Fiocruz tem muito a contribuir nesse processo de discussão com a sociedade e, principalmente, “nessa ligação entre produção científica e lutas dos movimentos sociais, trazendo para a academia a produção de conhecimento pelos movimentos sociais.” Valcler afirmou que, apesar dos percalços que a sociedade brasileira pode viver neste momento, fazer essa reflexão na ENSP/Fiocruz fortalece tanto a instituição como os movimentos sociais e traz frescor para o pensamento acadêmico.
Na ocasião, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que colaborou com a apresentação das relatorias gráfica e poético-musical e lançou seu livro Na Oficina do Sociólogo Artesão, parabenizou a ENSP e a Fiocruz por abrigar essa iniciativa em uma fase que é indispensável organizar e fazer alianças. Apesar da conjuntura brasileira, Boaventura afirmou que sairá otimista do encontro, porque “O Brasil tem lideranças importantes como essas aqui presentes e majoritariamente formada por mulheres diversas: jovens negras empoderadas, quilombolas, faveladas e indígenas”.
A representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara, que participou da mesa "Experiências e Saberes emancipatórios dos Movimentos Sociais", atentou para a relevância da luta dos indígenas, visto que é uma luta não somente para garantir o modo de vida desses habitantes, mas sim uma luta humanitária e civilizatória que garante a vida no planeta. Para Sonia Guajajara, a luta indígena se conecta com as lutas contra o ecocídio. “É imprescindível reconhecer a importância dos territórios indígenas e quilombolas, porque são os mais preservados e funcionam como uma barreira contra o avanço ao desmatamento. É isso que garante ainda o equilíbrio das chuvas e a regulação do clima.” Leia mais sobre o NEEPES aqui e também a entrevista com Jessica Marcele.