A Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio) realizou, no dia 20 de março, o seminário “Reformas legislativas em matéria penal”. O evento reuniu especialistas para discutir propostas de alteração na legislação penal brasileira, principalmente as previstas no chamado “pacote anticrime”, apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Públicaem fevereiro deste ano. Com a mediação das duas mesas de debate realizada pelos professores da FGV Direito Rio Thiago Bottino e Michael Mohallem, o seminário foi uma realização do Centro de Justiça e Sociedade (CJUS).
Leonardo Cardoso de Freitas, Procurador Regional da República – MPF/RJ, pontuou que o projeto adapta a legislação ao atual entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal(STF), que permite a execução provisória da pena. Em relação ao “acordo de não persecução penal”, avaliou como uma medida que pode desafogar o judiciário, em um marco de uma justiça penal negocial. O Procurador apontou também como um importante instrumento para o processo penal a figura do “informante do bem” (whistleblower). Trata-se de uma recompensa para a pessoa que disponibiliza informações que resultam em recuperação de produto de crime contra a Administração Pública.
Já Lívia Casseres, Defensora Pública do Rio de Janeiro, criticou o “acordo de não persecução penal” previsto no pacote. Frisou que as Defensorias Públicas pelo país têm precariedade institucional, o que interfere na defesa técnica e, portanto, nas condições de negociação do acusado. Ponderou que há confissões de crime que são obtidas mediante tortura e, portanto, esses acordos não poderiam ser celebrados. Criticou também o regime inicial fechado obrigatório para cumprimento de pena, de forma que o projeto anticrime não considera as condições carcerárias do país. Por fim, criticou ainda o projeto quanto à criação da figura da “legítima defesa presumida”, o que traria ainda mais problemas em termos de arbítrio no uso da força por parte de agentes do Estado.
Jacqueline de Oliveira Muniz, Professora do Departamento de Segurança Pública da UFF, argumentou que o projeto do Ministro Sérgio Moro amplia as possibilidades de negociação do Estado, aumentando o poder discricionário sem qualquer controle, mecanismo de responsabilização e accountability.
Para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogerio Schietti Cruz, os debates legislativos no Brasil têm sido pautados por uma perspectiva moralista e a produção de leis penais não pode ter essa perspectiva. Segundo o Ministro, questões morais, religiosas, ideológicas não podem interferir no processo legislativo em matéria criminal. Além disso, afirmou que há uma profusão imensa de leis penais, com a previsão de mais de 10 mil tipos penais no Brasil. Argumentou também que é preciso cuidados e critérios para criação de novos crimes e penas, devendo ser observados os princípios da necessidade, legalidade, proporcionalidade, intervenção mínima e o princípio da resposta não contingente, pelo qual o legislador não pode fazer lei de ocasião.
Eleonora Rangel Nacif, Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), destacou que o pacote anticrime vende para a população uma ideia de combate à corrupção, mas na verdade é mais um instrumento de opressão da população pobre, negra e periférica que sempre foi a clientela do sistema prisional. Indicou que o projeto aumenta o encarceramento em massa que já existe no país. A advogada registrou que não houve consulta à sociedade, à academia, e audiências públicas e classificou o pacote como um embrulho, um engodo.
O Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Andrade Saadi, ponderou que a discussão sobre alterações legislativas na área penal e processual penal está na ordem dia, e citou as 10 medidas de combate corrupção, as “Novas medidas contra a corrupção”, capitaneadas pela transparência internacional e FGV Direito Rio e FGV Direito SP, e os trabalhos da ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, por exemplo. Assegurou que as medidas e impactos do pacote anticrime foram discutidas com a sociedade civil. Em relação a atuação da Polícia Federal, o projeto garante maior celeridade na cooperação jurídica internacional. E avaliou também como positiva a previsão legal para criação de equipes conjuntas de investigação com outros países para a apuração de crimes de terrorismo, crimes transnacionais ou crimes cometidos por organizações criminosas internacionais.
Na fala final, André Mendes, professor da FGV Direito Rio, afirmou que as democracias contemporâneas têm encarado o fenômeno do populismo penal, que representa um conjunto de discursos e práticas de endurecimento penal sem garantia de eficácia, transformação da realidade e redução de índices criminais. Ressaltou que o pacote anticrime foi inicialmente divulgado desacompanhado das justificativas, o que prejudica o debate público profundo, com a devida análise de estudos, dados e estatísticas que devem orientar a tomada de decisão legislativa em matéria penal. Criticou também o projeto quanto ao possível impacto no sistema prisional, considerando o quadro atual de superlotação carcerária, falta de vagas e a enorme quantidade de mandados de prisão a cumprir no país.
Evento também foi marcado por lançamento de livro
Após o seminário, foi oferecido um coquetel de lançamento do livro “Por que o legislador quer aumentar penas? Populismo penal legislativo na câmara dos deputados: análise das justificativas das proposições legislativas no período de 2006 a 2014”, de autoria do professor André Mendes, publicado pela Del Rey Editora.
A obra foi produzida com base em pesquisa sobre projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados no período de 2006 a 2014, e que pretendiam aumentar penas de crimes já existentes na legislação brasileira. O livro traz dados sobre a atuação parlamentar no contexto do fenômeno denominado “populismo penal”.
Para mais informações sobre o livro, acesse o site.