O 31 de Maio, Dia Mundial Sem Tabaco, é uma data promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para celebração dos avanços da Política Nacional de Controle do Tabaco e a conscientização sobre os riscos de fumar, os benefícios de parar de fumar e a importância da manutenção da política de controle do tabaco para redução do porcentual de fumantes. A cada ano, a OMS define qual será o tema para a mobilização. Este ano, o tema escolhido foi "Tabaco e Saúde Pulmonar". O tabagismo é uma das principais causas evitáveis de mortes precoces e de desigualdade em saúde no mundo. Estima-se que 7,2 milhões de pessoas, em nível global, morram a cada ano devido a doenças associadas ao fumo ativo e passivo.
No Brasil, 156.200 pessoas morrem a cada ano por doenças causadas pelo fumo, e o custo direto e indireto do adoecimento e morte por tais causas é de quase R$ 57 bilhões anuais. Desses, cerca de 40 bilhões são por assistência médica e tratamento, e 17,5 bilhões por perda de produtividade. Portanto, esse é um tema importante na agenda de Saúde Pública do Brasil e da Fiocruz. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, em 2013, 15% da população brasileira de 18 anos ou mais, 22 milhões de indivíduos, eram fumantes. Dados do Vigitel apontam que, nas capitais brasileiras, a prevalência em 2017 foi de 10%.
O Brasil ratificou (2003) e é País Parte da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco – primeiro e único tratado de saúde pública do mundo. Somos um país líder e temos implementado, com louvor, as recomendações do tratado. Podemos salientar importantes avanços na Política Nacional de Controle do Tabaco, tais como a Lei Antifumo (Lei 12.546, de 2012, regulamentada em 2014) que ampliou a proibição da propaganda a todos os tipos de mídia, incluindo os pontos de venda, ampliou as advertências sanitárias com imagens para os dois lados dos maços dos cigarros e consolidou a lei de proibição de fumar em ambientes públicos fechados.
A adequação dessas medidas pode ser avaliada pela redução relativa de quase 56% e 59% na prevalência de tabagismo, respectivamente, entre homens e mulheres de 18 anos ou mais de idade, no período de 1989 a 2013, e pela tendência de declínio nas estimativas do porcentual de fumantes obtidas por meio de inquéritos telefônicos, o Vigitel. No Estudo de Carga Global de Doenças, Injúrias e Fatores de Risco, publicado em 2015 na revista Lancet, o Brasil foi citado como o terceiro país com maior diminuição da prevalência entre os 195 países e territórios analisados.
Todavia, há, ainda, grandes desafios a serem superados, entre os quais pode-se destacar algumas ações relacionadas ás atividades da Fiocruz, por exemplo:
* A implementação do artigo 5.3, que refere-se às ações de resistir às estratégias adotadas pela indústria do fumo, visando minar políticas públicas de controle do tabaco. No Centro de Estudos Sobre Tabaco e Saúde da ENSP-Fiocruz, desenvolve-se o Observatório das Estratégias da Indústria do Tabaco, que apoia a Comissão Nacional para Implementação da CQCT nas medidas referentes ao artigo 5.3. Um número considerável de documentos está disponível no site do Observatório para consulta pela população e comunidade científica, relatando um conjunto de atividades e ações da indústria com esse fim. A cada dois meses, o Observatório publica e divulga o Boletim com informações, e o “Destaques” com assuntos mais atuais sobre o tema.
* A necessidade de enfrentamento da propaganda por meio da mídia de entretenimento e mídias sociais – uma estratégia de publicidade dirigida a jovens que vem sendo intensificada pela indústria do tabaco no mundo e no Brasil. A experiência acumulada por pesquisadores da Fiocruz sobre esse tema nos levou à indicação para compor o Grupo de Trabalho, a fim de elaborar uma revisão do Artigo 13 da Convenção Quadro Para o Tabaco, que versa sobre Propaganda, Promoção e Patrocínio, como representante das Regiões das Américas.
* A nova era de inovações tecnológicas da indústria, que vem introduzindo, no mercado, produtos especialmente apelativos para jovens, tais como o narguilé, produtos com sabores característicos, incluindo cigarros que têm cápsulas de sabor nos filtros e dispositivos eletrônicos para fumar (DEFS), como cigarros eletrônico e cigarros aquecidos. No momento, o uso de cigarros eletrônico, denominados JUUL, são considerados uma epidemia entre jovens, o que preocupa consideravelmente autoridades de saúde pública dos Estados Unidos da América. No Brasil, os DEFS são proibidos, e a prevalência de uso não chega a 2%.
Além desses desafios, são ainda desafios a merecer destaque:
* A necessidade de manutenção da Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), que conta com a representação de 18 ministérios. A Conicq é reconhecida mundialmente como um mecanismo de governança exemplar;
* A manutenção de políticas de preços e impostos. Recentemente, o Ministro Sérgio Moro criou um Grupo de Trabalho para discutir a redução de preços e impostos dos cigarros, alegando motivação à proteção à saúde pública, que seria um mecanismo para reduzir o contrabando e o consumo de cigarros que seriam mais prejudiciais à saúde do que os cigarros tradicionais. Um conjunto considerável de evidências científicas mostra que essa é a política isolada mais efetiva para redução do tabagismo. O aumento de impostos, e consequente elevação de preços, torna os cigarros e outros produtos derivados do tabaco, menos acessíveis a dois grupos populacionais mais vulneráveis ao tabagismo: os jovens e as pessoas de baixa renda. Adolescentes e pessoas com restrições econômicas, por não terem renda, optam por gastar seu dinheiro com outros bens mais importantes do que cigarro. A toda mudança de governo, a indústria do tabaco intensifica a abordagem a membros do governo para defender seus interesses, frequentemente usando grupos de faixada. Sobre esse tema, estudos mostram também que o aumento de preços não é o mecanismo mais adequado para conter contrabando, e sim as medidas propostas no Protocolo para Eliminação do Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco da Convenção Quadro Para o Controle do Tabaco, do qual o Brasil também é signatário, tais como implementar medidas eficazes e pautadas em cooperação internacional para controlar ou regular a cadeia de suprimento dos bens, tomar medidas para aumentar a eficácia das autoridades e dos serviços alfandegários e de controle de fronteiras e outras, uso de ferramentas de rastreamento. Vale, ainda, salientar que não existe cigarros saudáveis, pois as principais substâncias que levam à ocorrência de doenças pulmonares e cardíacas são produzidas pela queima de tabaco presente em qualquer tipo de cigarro e também por aditivos. Cigarros que entram no Brasil por contrabando são produzidos por grandes tabacaleiras do país vizinho (Paraguai), que insere aditivos semelhantes aos utilizados na produção nacional.
* Garantia de mecanismos de sustentabilidade da política com recursos, com a aprovação do projeto de Lei do Senador Humberto Costa para criação da Cide – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
Por fim, gostaríamos de parabenizar a Ação da Advocacia Geral da União (AGU) na ação para que a indústria do fumo devolva aos cofres públicos os valores referentes aos prejuízos provocados pelo tratamento de doenças tabaco relacionadas no SUS. Essa é uma ação histórica no Brasil, mas tem vários precedentes no mundo. Os argumentos contrários são falaciosos, em especial quanto à livre escolha, pois o tabagismo é uma doença causada pela dependência da nicotina que começa na adolescência. Jovens têm escolhas muito diferentes dos adultos e, em geral, não olham para o adoecimento futuro. Depois de estabelecida a dependência, esses jovens terão enorme dificuldade em parar de fumar.
*Valeska Figueiredo é coordenadora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab/ENSP).