“Eu não acreditava na política do ‘Café com leite’, que nos ensinam no colégio, para explicar a chamada República Velha. Sempre imaginei que teria que existir algo além. Tinha que existir um pão com manteiga, algo que desse a liga”, brincou o professor, afirmando que pesquisou o tema há mais de dez anos. “Cheguei ao tema por meio de Carlos Lacerda, líder da [agremiação política] UDN, adversário de Getúlio Vargas, em um livro que ele não chegou a publicar, de 1977, com uma espécie de entrevista coletiva com seus depoimentos, em que seus próprios filhos agiram como repórter. A Bucha é mencionada em um capítulo e eu fiquei bastante impressionado.”
O professor contou que foi a São Paulo visitar o túmulo de Júlio Frank, considerado o fundador da Burschenfaft, dentro do pátio das arcadas no Largo do São Francisco, sede da faculdade de direito da USP. “Tirei seis fotos e todas queimaram. ‘Aí tem’, disse para mim mesmo”, gracejou, afirmando que o tema suscita muita curiosidade e atrai muitas pessoas da própria maçonaria, tendo, aliás, como a própria organização maçom, uma face pública e outra voltada para o segredo.
“A maçonaria e a bucha são esferas de sociabilidade para unir as pessoas que estariam, em caso de não existirem, espalhadas. É um fenômeno do tempo do iluminismo, liberal, onde o burguês tenta, de alguma forma, se igualar aos nobres, e que não chega aos proletários. A fraternidade é relativa”, critica.
Entre os nomes famosos que integraram a Burschenfaft, que quer dizer “confraria dos estudantes”, ele elencou: Ruy Barbosa, o Barão do Rio Branco, todos os presidentes até 1930, com a exceção dos militares, e de Epitácio Pessoa, que foi presidente por "acidente", como ele se referiu ao fato de ele ter assumido o cargo pela morte do presidente Delfim Moreira. A Bucha atuou ainda dentro e fora de ligas nacionais, dos partidos políticos, das igrejas, e também da própria maçonaria.
“A Bucha será na República o que a maçonaria foi no Império, mas com muito mais força”, concluiu ele.
Grande estudiosa da história da imprensa, Isabel Lustosa começou sua palestra falando sobre a importância da maçonaria para Hipólito da Costa, fundador do “Correio Braziliense”, o primeiro jornal brasileiro. Para ela, o mais interessante sobre a influência da organização nesse período é saber que não havia solidez no pensamento político do grupo, com brigas internas entre os partidários da República, com tendências mais francesas, como Joaquim Gonçalves Ledo; e os que queriam manter o Império após independência, de ascendência inglesa, entre os quais estavam Hipólito e José Bonifácio, entre outros.
“Hipólito da Costa nasceu na província Cisplatina, que hoje faz parte do Uruguai, em Sacramento, na época em que aquela parte era do Brasil. Sua família se muda para Pelotas e, mais velho, ele vai estudar em Coimbra. Depois, se liga ao Conde de Linhares, o verdadeiro herdeiro do Marquês de Pombal, que vai formar uma corte ilustrada de brasileiros, com jovens brilhantes, que serão incentivados pelo futuro conde.”
No contexto do final do século XVIII, explica Isabel, a maçonaria aparecia como uma sociedade secreta, mas também de fraternidade, acima das religiões, das confissões, da opressão que era comum no regime absolutista. Ela citou também o início dentro das ilhas britânicas, que apesar de ser ainda uma monarquia, tinha uma constituição e um parlamento. Isabel fala ainda de como o ideal maçom vai desembarcar nos EUA, na Filadélfia, e na França, onde floresceu entre os que fariam a Revolução Francesa, além de dizer que a organização passava por cima de nacionalidades, do credo político e religião, aceitando, por exemplo, judeus e muçulmanos.
“Hipólito acaba Coimbra e vai para os EUA. Em 1798, passa dois anos em Nova York. Poucos brasileiros tinham relatos do que era viver nos EUA, dentro de uma sociedade moderna, onde havia eleições, as mulheres tinham autonomia, e os negros, mais liberdade”, conta ela. “Lá, ele se filia a uma loja maçônica, que vai marcar a sua vida. Volta a Portugal em 1800 e trabalha em uma gráfica, fazendo traduções, sempre ajudando as lojas maçônicas. Em 1802 acaba sendo preso, e será julgado pelo Santo Ofício, quando passa três anos presos. Foge em 1805, para Inglaterra, provavelmente com a ajuda de maçons”, lembra a pesquisadora, citando os diálogos com os inquisidores como a melhor defesa da maçonaria. “Quando o príncipe regente se muda para o Brasil, ele começa o ‘Correio Braziliense’.”
A professora contou que a primeira loja maçônica foi inaugurada em 1812 em Niterói (RJ). E que a partir daí, os maçons tiveram importância em episódios, como o dia do Fico, ou a Revolução Pernambucana de 1817. Mas a oposição entre maçons republicanos e imperialistas mostra, no seu ponto de vista, como a organização também tem divergências, apesar da aparente união interna.